São Paulo, quarta-feira, 01 de janeiro de 2003

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ASTROFÍSICA

Máquina montada na Suíça deve ajudar astrônomos a entender questões como a natureza da matéria escura

Supercomputador vai investigar o cosmos

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

A partir deste ano, um cubo de um metro e meio de largura numa sala da Universidade de Zurique, Suíça, vai acalentar entre os astrônomos europeus o sonho de desvendar segredos profundos do Universo. Trata-se do maior supercomputador do continente dedicado a estudos astrofísicos.
"O computador já está concluído e agora está na fase de testes", conta Lucio Mayer, astrônomo italiano que trabalha no projeto. Não é o maior do mundo, mas pode muito bem ser o melhor para os astrônomos, em razão de sua natureza exclusiva.
"Claro, máquinas como os mais de 2.000 processadores Compaq-Alpha em Pittsburgh [nos EUA] vencem a nossa -pelo menos no tamanho", reconhece o italiano. "Mas eles têm dezenas de usuários, de biólogos a climatologistas. Nós seremos os únicos."
Com o poder computacional proporcionado pelos 288 processadores Athlon (os mais recentes com frequência de 2,2 gigahertz) interconectados no supercomputador, Mayer e outros investigarão coisas que atualmente estão além da compreensão, como a natureza da matéria escura.
Essa substância exótica foi proposta pelos cientistas para explicar interações gravitacionais entre galáxias que não podiam ser explicadas só pela matéria visível desses corpos. Havia mais gravidade do que a massa observável justificava, e a quantidade faltante só podia estar em um tipo de matéria diferente do conhecido. Por não ser visível, esse material ganhou o nome de matéria escura.
O problema é que, como ela não pode ser detectada, ninguém sabe do que se trata. Há hipóteses, mas a única forma de testá-las é por meio de simulações. É onde entra o supercomputador de Zurique.
"Pretendemos executar simulações em que seguimos a formação de um único objeto -uma galáxia ou um agrupamento- em diferentes modelos", explica Mayer.
"Com isso, veremos se os diferentes resultados podem ser usados para planejar observações ou até experimentos de física de partículas", arremata. "Vamos precisar de resolução incrivelmente alta, mas podemos fazê-lo. Nosso chefe, Ben Moore, inaugurou essa linha de pesquisa há três anos."
Moore, um prestigiado cosmólogo britânico, é o chefe da equipe responsável pelo projeto de construção do supercomputador em Zurique e um dos grandes especialistas em matéria escura.
A nova máquina também promete resolver problemas ligeiramente mais mundanos, como a formação e a evolução de galáxias. "Precisamos de simulações com maior resolução para ver se alguns dos problemas atuais que a teoria tem em reproduzir, por exemplo, um disco galáctico tão grande quanto o da Via Láctea, advêm de nosso modelo do Universo ou de nossa inabilidade de observar processos físicos em escalas menores", diz Mayer.
O estudo da evolução de sistemas planetários também promete, graças ao novo equipamento. "Queremos rodar uma simulação que comece com a fragmentação de uma nuvem molecular em estrelas e então dê um zoom em uma única estrela e siga em detalhe a evolução do disco protoplanetário em torno dela", conta o italiano. "As pessoas ainda não preencheram essa lacuna e é por isso que as condições iniciais de formação planetária são um tanto vagas atualmente."
A variação de escala numa simulação como essa demonstra o poder do supercomputador. "Uma nuvem molecular tem o tamanho de um parsec [3,2 anos-luz]. O disco teria uma escala mil vezes menor e os protoplanetas se formando nele estão numa escala mais cem a mil vezes menor", diz Mayer. "Isso poderá ser computado na nossa nova máquina."
Usando o supercomputador já instalado em Pittsburgh, Mayer publicou na revista "Science" em novembro o resultado de simulações que finalmente parecem resolver o mistério da formação dos planetas gigantes gasosos. A máquina de Zurique pode oferecer ainda mais, por ser configurada para os astrônomos. "Já sabemos que esse nosso programa roda 2,5 vezes mais rápido aqui do que na máquina de Pittsburgh."


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