São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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A hélice dupla e as duas culturas

Debate sobre "Promessas do Genoma", de Marcelo Leite, aponta hiato entre cientistas sociais e biólogos moleculares

DA REDAÇÃO

Bem que o filósofo da ciência Hugh Lacey, o terceiro a ter a palavra no debate sobre o PGH (Projeto Genoma Humano) na terça-feira, na Folha, avisou.
"A retórica da legitimação do enorme financiamento público e dos investimentos privados em projetos genoma, e agora também em outros estudos de biologia molecular, tem dois componentes principais."
Um deles seria metafísico (o determinismo genético e a proposta de que o seqüenciamento implica no entendimento do Livro da Vida). O outro, disse Lacey, foi a promessa de que a soletração do DNA do Homo sapiens traria grandes benefícios sociais e médicos.
O debate, feito por ocasião do lançamento do livro "Promessas do Genoma", de Marcelo Leite, colunista da Folha, serviu para sedimentar aquilo que o próprio Leite já havia mencionado em sua fala -e, também, escrito em sua mais recente obra, fruto de uma tese de doutorado em ciências sociais na Unicamp.
Ficou claro o abismo que existe entre os "humanistas" (como Lacey) e os "cientistas naturais" (representados no debate pela geneticista Mayana Zatz, da USP, e pelo biólogo molecular Gonçalo Pereira, da Unicamp), ao qual o escritor britânico Charles Percy Snow se referiu como o hiato entre "as duas culturas".
A advertência do filósofo da ciência sobre a retórica vem bem a calhar. De forma inconsciente até, os biólogos moleculares presentes ao evento se omitiram de um debate aberto.
Enquanto Lacey entrelaçou a retórica da legitimação do PGH ao enfraquecimento da ciência, porque o discurso usado pelos grandes nomes internacionais do genoma, disse o filósofo, não foram embasados na própria ciência, o segundo grupo mostrou a dificuldade de fazer uma reflexão desse processo recente da biologia.
Não que ambos os cientistas sejam apenas retóricos, não que ambos sejam "deterministas". Mas o sentido social e até ético da função deles era levado sempre para o individual.
"Quem coloca a mão na massa sabe quais são as limitações. Às vezes, você realmente tem de vender o peixe quando precisa de financiamento. Não adianta você dizer: "Olha, vou ficar 20 anos seqüenciando para talvez chegar a um resultado". A gente tenta dourar um pouquinho a pílula. Mas sabemos que as limitações são enormes e temos um longo caminho pela frente", disse Zatz.
Para ela, a tese de que os genes são os causadores de tudo também precisa cair. O ambiente -com o que todos os debatedores concordaram- também tem um papel fundamental nos processos biológicos.
A única convergência no evento foi essa. De resto, nenhuma outra ponte parece estar sendo construída para que o hiato possa ser preenchido.
Leite, enquanto cientista social, defendeu uma reconfiguração das metáforas genéticas que, por si só, encerram o conceito determinístico dos genes.
Zatz e Pereira preferiram fincar pé em seus terrenos firmes. "A sobrevivência na face da Terra depende totalmente do conhecimento que teremos da biotecnologia", disse Pereira. "Reduzir o sensacionalismo é algo para o jornalista fazer."


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