São Paulo, terça-feira, 01 de abril de 2008

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Cético admite aquecimento, mas nega que seja problema

Evento em São Paulo reúne pesquisadores que se opõem à redução de emissões

Climatologista americano e estatístico dinamarquês dizem que mudança do clima causada por humanos pode até trazer benefícios

Caio Mattos/Divulgação
O climatologista americano Pat Michaels, durante palestra ontem na sede do Ibmec, em SP

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Os céticos do clima estão mudando o discurso. Confrontados com um virtual consenso de que o aquecimento global é real e é causado por atividades humanas, eles deixaram de negar a existência do problema -mas afirmam que não há motivo para preocupação.
Ontem, dois céticos apresentaram seus argumentos para uma platéia de uma centena de pessoas no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais), em São Paulo: o climatologista americano Pat Michaels e o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg.
Michaels é ex-climatologista do governo do Estado da Virgínia. Recebeu US$ 100 mil da indústria do carvão e do petróleo dos Estados Unidos para liderar uma campanha destinada a "trazer equilíbrio à discussão [sobre a mudança climática]".
Lomborg virou celebridade com o livro "O Ambientalista Cético", de 2001, no qual argumenta que o planeta nunca esteve tão bem e que é besteira investir em proteção ambiental -o dinheiro seria melhor gasto em programas sociais.
Em 2004, organizou o Consenso de Copenhague, grupo de economistas que se auto-atribuiu a tarefa de listar os maiores problemas do mundo cuja solução é positiva em termos de custo-benefício. O aquecimento global ocupa a 16ª posição.

Duvidem dos cientistas
Michaels abriu sua conferência atacando o IPCC, o painel de climatologistas ligado à ONU que dividiu com Al Gore o Prêmio Nobel da Paz em 2007.
"Só porque vocês leram que centenas de cientistas acham que alguma coisa é verdade não significa que seja a verdade nua." Para Michaels, as incertezas inerentes à previsão do clima tornam arriscadas previsões. "Sim, o aquecimento global existe. Mas ele não está necessariamente ficando pior."
Apresentou vários dados para ilustrar seu ponto. Um deles é que a maior parte da Antártida está mais fria e não mais quente. Isso inclui o manto de gelo da Antártida Oriental, a maior massa de gelo no planeta. "O gelo antártico está em sua extensão máxima", disse.
Os climatologistas do IPCC afirmam que o frio na Antártida é previsto desde 1970 pelos modelos de aquecimento. A razão disso é que o hemisfério Sul é mais água do que terra -e os oceanos são mais lentos para conduzir calor. Eles tampouco se preocupam com o degelo na Antártida Oriental.
O problema está na Antártida Ocidental, região que está derretendo depressa (é onde fica a plataforma Wilkins, que está rachando neste momento) e cujo degelo total poderia elevar em 5 m o nível do mar.
Michaels não falou sobre a Antártida Ocidental. Também mostrou-se irritado quando inquirido pela Folha sobre seus laços financeiros com a indústria do petróleo e do carvão.
"Não vi escrito em lugar nenhum que pessoas no mundo dos negócios não podem fazer perguntas sobre o aquecimento global", disse.

Ursos-polares
Lomborg também apressou-se a dizer que o aquecimento global "é real e causado pelo homem". Mas argumentou que suas conseqüências são exageradas e apresentadas de forma unilateral. "Em 2050, estima-se que o aquecimento global vá causar 2 mil mortes a mais por calor no Reino Unido. Mas também haverá 20 mil mortes a menos por frio."
Também atacou o Protocolo de Kyoto e o corte de emissões de gás carbônico, que considera "um mau investimento" de "US$ 180 bilhões por ano" para pouco benefício. Citou o exemplo dos ursos-polares. "Se você parar o aquecimento global, você vai salvar um urso polar por ano. Mas todos os anos nós matamos centenas de ursos-polares." Talvez em vez de cortar emissões, argumenta, devêssemos parar de atirar nos ursos.
O mesmo argumento vale para as projeções de aumento da malária e de dano por furacões no golfo do México: é mais barato e eficiente resolver problemas sociais do que estrangular a indústria e o livre-mercado com cotas de emissão.
Afinal, diz Lomborg, o mundo está ficando cada vez mais rico, e uma afluência maior permitirá aos países adaptarem-se ao clima no futuro.
O físico Luiz Gylvan Meira Filho, da USP, ex-vice-presidente do IPCC, diz que o problema de Lomborg é que ele assume uma "taxa de desconto" alta. Ou seja, se você descontar para valores de hoje, esse benefício da redução de emissões projetado para o futuro não vale nada. E isso, afirma, não é uma questão científica. "Ele é só um cidadão tentando convencer a sociedade dinamarquesa -sem sucesso."


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