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BIOÉTICA
Para Jacques Cohen, que ajudou a desenvolver injeção de citoplasma contra infertilidade, bebês não são "transgênicos"
Alterar óvulo não é engenharia, diz médico
Divulgação
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O médico Jacques Cohen |
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O médico Jacques Cohen esteve
no Brasil para participar do 2º
Simpósio Internacional de Novos
Desenvolvimentos em Reprodução Assistida, realizado nos dias
25 e 26 de maio, em São Paulo. Em
entrevista por e-mail após sua
volta aos EUA, Cohen negou que
as crianças nascidas por meio da
técnica de transferência citoplasmática sejam transgênicas, ou que
esta implique modificação genética transmissível para descendentes: "Não classificamos transferência citoplasmática como sendo um modo em potencial de alteração do código genético da linhagem germinativa".
O artigo que publicou em março na revista "Human Reproduction", com outros médicos da clínica Saint Barnabas (Nova Jersey,
EUA), no entanto, dizia: "Este relato é o primeiro caso de modificação de células germinativas humanas que resultou em crianças
saudáveis". O pesquisador e sua
equipe têm sido alvo de críticas
desde a publicação de um editorial na revista "Science". Segundo
Cohen, elas decorrem de um entendimento equivocado da ciência por especialistas em ética.
Leia abaixo a íntegra da entrevista.
(FLÁVIA NATERCIA)
Folha - Essa foi a primeira vez que
a transferência de citoplasma foi
tentada em humanos? Quais foram
as principais dificuldades técnicas
que sua equipe teve de superar?
Jacques Cohen - A técnica tem sido testada desde 1995. O primeiro
bebê nasceu em 1997.
Folha - O sr. acredita que não haja
preocupação ética com esse tipo de
experiência? Existe uma má compreensão da ciência envolvida?
Cohen - Tem havido muita publicidade a respeito disso no passado, mas é a primeira vez que fomos criticados de forma tão pública. Existem, penso, dois motivos pelos quais ela subitamente
foi tão criticada.
Em primeiro lugar, especialistas
em ética nos EUA formaram uma
opinião baseada em uma baixa
compreensão da ciência. Eles
concluíram, de forma bastante errônea, que se trata de engenharia
genética e que a linhagem germinativa foi alterada.
Em segundo lugar, um jornalista da rede BBC chamado David
Whitehouse interpretou os dados
e o conceito de forma equivocada
em um editorial de 4 de maio. Infelizmente, ele nunca nos contatou para verificar os dados técnicos (leia texto à direita).
Ele chamou o feito de injeção de
genes, o que não é. Também disse
que foi realizado para superar disfunção mitocondrial, o que não é
verdade. Disse ainda que foi feito
em mulheres mais velhas, o que
também não é verdade. Por fim,
fez outras suposições enganosas.
Como a BBC em geral pode ser
considerada responsável, a informação ganhou vida própria.
Há uma má compreensão da
ciência envolvida (leia quadro à
direita). DNA mitocondrial é um
círculo que consiste de 37 genes ligados à produção de energia. Os
genes são semelhantes em todos
os indivíduos. Cada círculo de
DNA mitocondrial tem uma pequena área de DNA que não codifica -não tem genes.
Essa região não-codificante varia de acordo com cada indivíduo.
Cada pessoa tem sua própria "impressão digital" para essa região.
Entre 10% e 15% dos indivíduos
têm duas ou mais "impressões digitais". Isso é um fenômeno natural. Os dois bebês gerados com a
transferência citoplasmática herdaram, por intervenção, o que os
outros têm naturalmente.
Folha - O que o sr. pensa das críticas feitas no editorial da revista
científica "Science"?
Cohen - As críticas feitas pelos
especialistas em ética na revista
"Science" (www.science
mag.org) são confusas. Por um
lado, concordamos que modificação genética que leve à alteração
da linhagem germinativa deva ser
considerada com muito cuidado.
Por outro, discordamos num
ponto: não classificamos transferência citoplasmática como sendo um modo potencial de alteração do código genético da linhagem germinativa.
Codificação se refere a genes. As
únicas diferenças que foram testadas se referem a DNA e não a
genes. O problema é que isso é difícil de entender: genes são sempre DNA, mas nem todo DNA
corresponde a genes.
Folha - Quais poderiam ser as
doenças transmitidas por DNA mitocondrial? Quão raras são elas?
Elas poderiam ser detectadas e, em
última instância, evitadas?
Cohen -O conceito de transmissão de doenças mitocondriais foi
tirado do contexto. Em qualquer
nova forma de intervenção médica existem riscos teóricos.
Várias pessoas dizem que dessa
forma seria possível transferir
doenças mitocondriais. São distúrbios genéticos raros. Se a doadora do citoplasma do óvulo tivesse a doença (sem sintomas),
então por que é que ainda não
houve nenhum relato de transmissão de distúrbio mitocondrial
posterior à doação de óvulos?
Nesses casos, 100% das mitocôndrias no bebê vêm da doadora. Existem cerca de 30 mil bebês
nascidos de doação de óvulos (essa é a minha estimativa; podem
ser mais). Os primeiros estágios
de desenvolvimento humano têm
um número de barreiras erguidas
contra a transmissão de anomalias. Por exemplo, apenas um número muito pequeno de anomalias cromossômicas presentes em
óvulos vão resultar em gravidez e
nascimento de crianças vivas.
A mesma coisa, provavelmente,
vale para doenças mitocondriais
que não são detectadas na doadora. O fato de um caso desses
-após doação de óvulos- nunca ter sido relatado mostra que isso é apenas uma possibilidade
teórica. Por que o risco na transferência citoplasmática seria diferente, se apenas de 5% a 15% das
mitocôndrias são transferidas?
Folha - Quando o sr. decidiu usar
a técnica? Existe uma grande demanda por parte da crescente população idosa? Em quais casos seria
a única forma de reprodução?
Cohen - A técnica é usada para
reforçar o desenvolvimento de
embriões que correm risco in vitro. Alguns casais de pacientes
têm embriões que sempre apresentam um mau desenvolvimento, apesar do fato de não serem
velhos do ponto de vista reprodutivo. Quando, após muitas tentativas, eles não conseguem ter um
filho, podem considerar esse tratamento experimental.
Em princípio, as células podem
falhar por causa de condições nucleares ou citoplasmáticas. Não é
tão absurdo considerar que a inserção de proteínas, enzimas, lipídios, mitocôndrias e outras organelas do citoplasma possam reverter alguns desses embriões para um desenvolvimento normal.
Folha - Como há forte oposição e
até barreiras legais para o uso desse tipo de técnica em muitos países
desenvolvidos, o sr. considera trabalhar em colaboração com países
como o Brasil e outros do Terceiro
Mundo, como solução para a não-interrupção da pesquisa?
Cohen - Eu acredito que a cooperação é importante para a compreensão dos dilemas da medicina reprodutiva. Sou otimista no
que se refere à prática médica nos
EUA e em outros países.
Há muitas camadas legislativas
e médicas de regulação colocadas
para a prática de medicina reprodutiva nos EUA. Acredito que isso
seja uma coisa boa, apesar de, às
vezes, ser complicado e difícil de
compreender. Uma outra camada
de burocracia, inserida para compreender esse procedimento particular, seria irracional, mas pode
ser inevitável. Nós acolhemos
qualquer colaboração entre legisladores, especialistas em ética,
médicos e cientistas dessa área.
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