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Ouro em gás
Enquanto o lucro anual com um boi é de R$ 100, o valor
do carbono emitido para o pasto crescer chega aos US$ 4.800
CARLOS EDUARDO YOUNG
ESPECIAL PARA A FOLHA
O pau está comendo -ou melhor,
queimando- na
floresta amazônica. No debate
sobre o futuro da floresta,
boa parte dos atores insiste
em repetir antigas falas, como a necessidade de desmatar para garantir o "progresso" ou negar a realidade dos
números do desmatamento.
Mas existem idéias novas
que podem construir o tão
necessário consenso.
A mais importante delas é
dar valor à floresta conservada ("em pé") como forma alternativa ao padrão tradicional de ocupação pelo desmatamento. O conceito é simples: se o valor dos serviços
ambientais gerados pela floresta for maior do que o lucro obtido com a extração
predatória da madeira e com
a pastagem ou cultivo implementados em seu lugar, então, economicamente, seria
ilógico desmatar!
Uma conta rápida exemplifica como a incorporação
de apenas um desses serviços, a manutenção dos estoques de carbono, torna a
conservação florestal economicamente atraente. Para
adicionar um boi a mais na
Amazônia, queima-se em
média 1,5 hectare de floresta,
lançando cerca de 180 toneladas de carbono na atmosfera -algo equivalente à
emissão anual de duzentos
automóveis, rodando mil
quilômetros mensais!
O lucro anual que o fazendeiro pode obter com o aumento do rebanho na fronteira amazônica dificilmente
ultrapassará R$ 100 por animal, e o rendimento médio
está bem abaixo disso.
Mas o custo desse carbono
emitido para aumentar a
pastagem vale, na Bolsa de
Clima de Chicago, cerca de
US$ 4.800 e mais ainda no
mercado europeu. Ou seja,
quem está trocando ouro
por espelhos não são os povos indígenas, mas a destruição causada pela nossa
"marcha do progresso".
Como dar valor à floresta
em pé? Pelo pagamento dos
serviços ambientais da floresta, conforme propõe o
Pacto do Desmatamento Zero. O pacto foi lançado em
2007, após resultado de longa
negociação entre ONGs, Ministério do Meio Ambiente e
governos estaduais, inclusive
o Mato Grosso do governador
Blairo Maggi.
Por isso, como já percebeu
o ministro Carlos Minc, é a
forma mais próxima de atingir consenso sobre como garantir desenvolvimento sustentável da Amazônia.
A proposta consiste em
combinar o aumento de
ações de fiscalização e controle do território com incentivos econômicos para os
produtores que conciliem
produção com conservação
florestal em terras privadas.
Ações positivas
Do lado dos governos,
União, Estados e municípios,
significa aumentar a capacidade operacional das agências ambientais e de regularização fundiária, por meio do
aumento de recursos, materiais e humanos, e incentivar
a expansão e melhoria na capacidade de gestão das áreas
protegidas, inclusive terras
indígenas, sob controle direto
do poder público.
Do lado do setor privado, o
pacto prevê que ações positivas dos proprietários que investem em conservação florestal devam ser remuneradas. Esse é o ponto mais controverso, pois alguns alegam
que não se deve premiar alguém por simplesmente respeitar o Código Florestal.
Mas os sucessivos fracassos
em tentar conter o desmatamento somente na base da
"polícia ambiental" acabaram
levando a uma visão mais
pragmática, pois o custo social do desmatamento é muito superior ao valor necessário para induzir à conservação da floresta.
Como financiar esse plano?
Em primeiro lugar, é fundamental que os gastos com o
ambiente recuperem, em termos relativos, a importância
que já tiveram.
Enquanto o orçamento do
governo federal previsto para
transporte cresceu mais de
quatro vezes entre 2004 e
2007, saltando de R$ 2 bilhões para R$ 8,8 bilhões, os
gastos com proteção ambiental ficaram estagnados em
torno de R$ 450 milhões.
Em termos percentuais, os
gastos ambientais caíram de
6,4% das despesas com infra-estrutura em 2004 para míseros 2,3% em 2007. Simplesmente recuperar a participação relativa de 2004 significaria mais R$ 1 bilhão, e, se a
meta for voltar ao gasto relativo de 1996/98, outro bilhão
de reais deverá ser acrescido.
Existem formas inteligentes de gastar esse dinheiro na
Amazônia, e o Programa
Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), do próprio governo federal, é um bom exemplo de como a gestão ambiental pode ser incrementada
com resultados práticos.
Outra forma de obter recursos é pela venda de produtos e serviços da floresta. As
concessões florestais em terras públicas podem garantir
outro quinhão significativo
de recursos, ao mesmo tempo
em que impedem a "privataria" com terras públicas -toda vez que unidades de conservação ou terras indígenas são transformadas em fazendas particulares, mais um pedaço de patrimônio público é
dilapidado para aumentar a
riqueza privada de alguns.
O resto da sociedade global
também deve contribuir para
a preservação da Amazônia,
sem ferir nossa legitimidade e
soberania. O BNDES acaba de
anunciar a criação de um fundo nesses moldes -aliás, como já previsto pelo Pacto do
Desmatamento Zero, por
meio de uma doação do governo norueguês.
Mas, para que a captação
seja mais efetiva e atraia recursos privados, é preciso que
tais operações resultem na
criação de créditos de carbono, válidos nos mercados de
carbono mundiais. Até agora,
o governo federal brasileiro
tem insistido em que ações
que reduzam o desmatamento não possam gerar créditos
de carbono e, por isso, acaba
penalizando o país, pois bloqueia a principal forma de pagamento pela floresta em pé.
A reversão dessa posição é
fundamental para o sucesso
dos fundos de desenvolvimento sustentável da Amazônia, como o recém-criado pelo próprio BNDES.
CARLOS EDUARDO FRICKMANN YOUNG é
professor associado do Instituto de Economia
da Universidade Federal do RJ.
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