São Paulo, segunda-feira, 01 de junho de 2009

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Gene humano muda tom de voz em roedor

Trecho de DNA relacionado à linguagem é inserido em camundongos para testar hipótese sobre a evolução humana

Grupo ainda produziu outro animal transgênico; gene do cérebro de um primata fez aumentar a transmissão dos impulsos nervosos

Claudio Angelo/Folha Imagem
O sueco Svante Pääbo, do Instituto Max Planck, da Alemanha

CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A COLD SPRING HARBOR (EUA)

Um gene que cientistas suspeitam que esteja envolvido no desenvolvimento da linguagem humana foi inserido em camundongos na Alemanha. Eles não saíram por aí recitando Goethe, é verdade, mas demonstraram uma série de alterações vocais e de comportamento que deixaram seus criadores com a língua solta.
"Esse é um resultado de sonho", disse à Folha o sueco Svante Pääbo, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, em Leipzig, Alemanha. "Para nós foi uma surpresa completa." Ele comentou os resultados ontem, num simpósio sobre evolução no Cold Spring Harbor Laboratory, nos Estados Unidos.
Pääbo e seus colegas produziram camundongos geneticamente alterados com uma versão "humanizada" do gene Foxp2. Trata-se de um trecho de DNA responsável por regular a função de diversos outros genes -uma espécie de "chave mestra" do genoma.
Em humanos, e só em humanos, o Foxp2 tem alterações em dois nucleotídeos, ou duas "letras" do DNA. A hipótese do grupo alemão é que essas mudanças no gene estejam ligadas ao desenvolvimento da linguagem humana. Elas permitiriam maior controle do aparelho fonador. Pessoas com defeito nesse gene desenvolvem problemas de fala ligados à incapacidade de articulação.
Um dos alunos de Pääbo, Wolfgang Enard, propôs esse papel para o Foxp2 em 2002, num célebre artigo na revista "Nature". Enard encontrou evidências da chamada seleção positiva do gene. Ou seja: as mutações no Foxp2 humano foram preservadas pela seleção natural e disseminadas porque conferiam uma vantagem a seus portadores.
A hipótese era boa, mas precisava ser testada. Afinal, o Foxp2 não está ativo apenas no cérebro, mas em diversos outros tecidos também. Era preciso testar se a mutação produzia de fato características humanas ou se os problemas de fala de indivíduos com o Foxp2 defeituoso se devem a outros efeitos. "O teste de verdade é num organismo", disse Pääbo (pronuncia-se "pébo").
Nos últimos quatro anos, Enard, Pääbo e colegas tentaram desenvolver os camundongos com a versão humana do Foxp2. E conseguiram. O resultado do trabalho foi descrito na última edição do periódico científico "Cell".
Os camundongos criados pelo grupo tiveram sua própria versão do Foxp2 apagada e substituída pelo gene humanizado. Ao nascerem, eles não eram aparentemente diferentes de seus irmãos, mas dentro deles algo importante havia realmente mudado.

Ultrassom
Os roedores humanizados ficaram mais sociáveis e, ao mesmo tempo, menos curiosos. Colocados num labirinto com buracos, passavam menos tempo explorando-o que seus irmãos.
Essa falta de curiosidade parece ligada a uma redução dos níveis de dopamina, um neurotransmissor (molécula que transporta informações no cérebro) associado ao prazer e também à euforia.
"Achamos que isso aconteceu porque o Foxp2 está relacionado com controle motor em geral", disse Pääbo. A dopamina é essencial para o controle do movimento -pacientes portadores de mal de Parkinson, por exemplo, tem redução nesse neurotransmissor.
Outra mudança observada no cérebro dos bichos foi um aumento dos dendritos, as "caudas" dos neurônios. O Foxp2 humano também alterou o padrão de ativação dos genes nos gânglios da base (área do cérebro que, em humanos, está envolvida com a cognição e a linguagem).
Mas a mudança de comportamento que mais animou os cientistas foi na vocalização dos filhotes de camundongo. Como as outras, esta alteração foi discreta, e apenas em um tipo de chamado -o emitido pelos filhotes para chamar a mãe, na frequência do ultrassom.

Primatas

Os camundongos com Foxp2 foram os primeiros modelos animais que testaram um gene de suposta relevância para a evolução humana. Outros vêm por aí.
O grupo do Max Planck quer inserir nos roedores mais cinco genes com evidências de seleção positiva no cérebro humano. Um deles já foi inserido, o da glutamina-desidrogenase 2. Esse gene, presente apenas em humanos e chimpanzés, aumenta a transmissão de impulsos nervosos em certas regiões do cérebro, algo relacionado à propriedade da cognição.
Segundo o biólogo alemão Thomas Giger, membro do grupo de Pääbo, os camundongos nascidos com o gene de primata têm aumentada a eficiência da transmissão dos impulsos nervosos em suas sinapses. O estudo deve sair em breve.


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