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MEDICINA
Americanos começam a testar em janeiro imunização contra verme do amarelão, que afeta zona rural no Brasil
Doença de Jeca Tatu ganha primeira vacina
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
A doença que já foi símbolo do
atraso e da pobreza no Brasil rural
está para ganhar uma vacina. Pesquisadores devem começar a testar em janeiro nos EUA a primeira imunização contra a ancilostomose, infecção causada por vermes que afeta 740 milhões de pessoas nos trópicos. Se passar nos
testes em humanos, a vacina será
fabricada no Brasil.
A ancilostomose, também conhecida como doença do amarelão, foi tornada célebre por Monteiro Lobato em 1918, como a causadora da indolência do personagem Jeca Tatu. "Está provado que
tens no sangue e nas tripas todo
um jardim zoológico da pior espécie. É essa bicharia cruel que te
faz papudo, feio, molenga, inerte", escreveu Lobato.
A inércia -e a cor amarelada típica dos pacientes- se deve ao
fato de os parasitas causadores da
ancilostomose, os vermes Necator americanus e Ancylostoma
duodenale, atacarem a mucosa
intestinal e causarem perda de
sangue e anemia.
"Em algumas áreas do Nordeste
de Minas Gerais, de 55% a 87% da
população está infectada", disse o
imunologista Rodrigo Oliveira,
da Fiocruz (Fundação Oswaldo
Cruz) em Belo Horizonte.
Oliveira é um dos pesquisadores envolvidos na elaboração e no
teste da vacina, cujo princípio foi
descoberto por uma equipe da
Universidade George Washington, nos Estados Unidos.
Fases
Vacinas contra parasitas complexos, como vermes, são uma raridade -só há duas em desenvolvimento no mundo- porque é
difícil achar uma molécula pequena o suficiente e característica
desses parasitas para induzir resposta no sistema de defesa.
O grupo liderado pelo médico
americano Peter Hotez conseguiu
isolar proteínas secretadas pelos
vermes causadores do amarelão
quando estão em fase de larva. É
nessa parte do ciclo de vida do parasita que os seres humanos são
infectados, por ingestão ou contato com solo contaminado.
Essas proteínas foram capazes
de estimular, in vitro, a produção
de anticorpos por células humanas. Em animais vivos, elas reduziram a quantidade de vermes no
sangue entre 30% e 50%.
A eficiência da imunização é relativamente baixa. Mas, segundo
a hondurenha Maria Elena Bottazzi, da George Washington, isso
deve bastar para cortar o ciclo da
infecção em moradores de áreas
rurais -especialmente crianças,
que acabam sofrendo problemas
de aprendizado devido à anemia.
"Não esperamos ter uma vacina
esterilizante", disse a cientista à
Folha. "Queremos que os pacientes passem a não desenvolver
mais a doença, mesmo se tiverem
alguns vermes no sangue."
O tratamento do amarelão hoje
é feito com vermífugos, que combatem o parasita, mas são incapazes de prevenir a reinfecção.
O modo mais simples de erradicar a doença -como é regra entre a maioria das moléstias tropicais endêmicas- é criar um mínimo de infra-estrutura de saneamento. E calçar a população. Uma
solução biotecnológica para o
problema parece, portanto, ser
um exagero, ou um desperdício.
"O problema é justamente esse.
[A doença] pode ser curada com
isso e ninguém faz", diz Oliveira.
"A vacina é mais barata."
Apesar de ainda não haver um
cálculo final, porque ainda não se
sabe qual será a eficácia da imunização em humanos, o médico da
Fiocruz (que deverá fabricar comercialmente a vacina, juntamente com o Instituto Butantan,
em São Paulo) estima em US$
0,50 (cerca de R$ 1,50) a dose. "Os
vermífugos têm o mesmo custo."
Uma versão-piloto da vacina
para testes em humanos já está
pronta nos EUA. Ela será aplicada
em cerca de 30 pacientes naquele
país para que sua segurança seja
avaliada. As chamadas fases dois e
três do teste clínico, com duração
de sete anos, serão feitas no Brasil.
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