São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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Brasileiros obtêm células-tronco de embrião humano

Primeira linhagem nacional, batizada BR-1, poderá ser distribuída a outros grupos

Grupo liderado por Lygia Pereira, da USP, já obteve neurônios e músculos a partir da linhagem, criada após 2 anos e 35 tentativas

Lygia da Veiga Pereira
Colônia de células-tronco embrionárias BR-1 em cultura

RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma década depois de a primeira linhagem de células-tronco embrionárias humanas ter sido isolada nos EUA, o Brasil conseguiu reproduzir a técnica. A realização nacional foi confirmada há uma semana e meia no laboratório de Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo). O trabalho será apresentado pela primeira vez amanhã em um congresso científico em Curitiba.
O domínio da técnica é importante porque essas células são hoje fundamentais para a pesquisa biomédica. São ferramentas científicas extremamente versáteis e, ao mesmo tempo, são o material promissor para terapias contra doenças degenerativas como mal de Parkinson e diabetes, possibilidade de prazo ainda incerto.
Entre a obtenção de embriões doados e o estabelecimento das linhagens de células-tronco, Pereira trabalhou quase dois anos, em parceria com o laboratório de Stevens Rehen, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
No meio do caminho, houve até um período de incerteza, pois a legalidade das pesquisas com embriões humanos -liberadas pela Lei de Biossegurança, em 2005-estava sendo questionada no Supremo Tribunal Federal. Mas o STF decidiu a favor dos cientistas.
"Foi muito emocionante", disse Pereira à Folha. "A gente trabalhou nisso durante muito tempo e, enfim, estamos muito contentes agora."
Após 35 tentativas frustradas, o grupo percebeu que uma das linhagens de células cultivadas em gel estava se reproduzindo e mantendo a "pluripotência". Esse é o maior diferencial das células-tronco embrionárias em relação a outras: são capazes de se transformar em virtualmente qualquer tipo de tecido biológico. A linhagem da USP já gerou neurônios e células de músculo em teste.
Uma vez que elas se especializam, porém, perdem a versatilidade. Por causa disso, a pesquisa biomédica requer linhagens de células estáveis, que permaneçam indiferenciadas por tempo indefinido, mesmo se multiplicando. Esse foi o feito dos brasileiros, que se deram conta do sucesso em agosto.
"Eu estava com a Lygia nos EUA há um mês e meio, num "tour" em empresas de biotecnologia da Califórnia, e nossos alunos iam mandando para a gente as fotos [das culturas de células-tronco na USP]", conta Rehen. "Aí a gente viu que elas estavam começando a ficar com uma cara boa, com uma morfologia de colônia, como a gente chama. Quando a gente voltou, uma aluna dela veio fazer algumas coisas aqui no Rio para confirmar, e a gente viu de fato que ela tinha todos os marcadores." Em outras palavras, estavam "ligados" os genes que conferem a pluripotência.
"De alguma forma, a gente está gerando uma autonomia nacional e, provavelmente, até a liderança na América Latina para trabalhar com essas células", diz Rehen. Segundo ele, dentro de dois meses amostras da nova linhagem, batizada de BR-1, poderão ser enviadas a outros cientistas do país.
Não se sabe de qual qual casal veio o embrião masculino que gerou a linhagem BR-1. "Preferimos manter o máximo de anonimato", diz Pereira, que contou com colaboração de duas clínicas de reprodução.


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