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Acredite se quiser
Livro conta história de laboratório que pesquisou fenômenos paranormais por 60 anos em universidade americana
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
Em uma de suas frases
de efeito mais conhecidas, Albert Einstein
teria dito, segundo sua
secretária: "Eu jamais
acreditaria em fantasmas, mesmo que eu visse um". Vinda de
um físico, essa atitude pode parecer brusca, já que a física
sempre se inspirou em observações de fenômenos aparentemente estranhos. Em se tratando mesmo de eventos fantasmagóricos, porém, a ciência
parece não ter chegado a um
consenso sobre como tratá-los,
seja para prová-los, seja para
simplesmente descartá-los.
Em parte, a crença em coisas
como telepatia e psicocinese
ainda existe porque poucos
acham hoje que vale a pena
gastar tempo (e queimar a reputação) tentando estudá-las.
Pelo menos um homem sério,
porém, já teve a coragem (ou a
imprudência) de embarcar na
empreitada de tentar levar a
parapsicologia para um laboratório. Sua história é contada no
recém-lançado "Unbelievable"
("Inacreditável"), da jornalista
americana Stacy Horn.
O aventureiro em questão foi
o botânico Joseph Banks Rhine, que decidiu mudar de área e
conseguiu apoio para montar
um laboratório de parapsicologia na prestigiosa Universidade
Duke, na Carolina do Norte
(EUA), em 1935.
Eram outros tempos.
Na época, a comunidade
científica não era tão avessa a
questões espirituais, e Rhine tinha certa reputação, ainda. Interessado num problema que
era considerado aberto, antes
de ter seu laboratório o cientista ganhou reputação ao desmascarar falsos médiuns.
Intrigado com relatos em
que não parecia haver fraude,
porém, Rhine decidiu usar o laboratório para verificar se, em
experimentos controlados, coisas como telepatia e clarividência de fato apareciam.
E apareceram. Mas, como esperado, a interpretação dos resultados não é bem algo que se
possa chamar de consenso.
Por décadas, Rhine e seus colegas foram à caça de médiuns
para testá-los em um engenhoso experimento bolado em seu
laboratório na Duke: adivinhação de cartas. Ao longo dos
anos, cientistas testaram laboriosamente a habilidade de voluntários repetidas vezes até
formar, com cada um deles, um
corpo de dados que tivesse alguma significância estatística.
Outro teste era feito com dados. Pessoas com suposta habilidade de telecinese eram avaliadas enquanto tentavam influenciar os resultados obtidos
movendo os cubos de resina
com a força da mente.
Clarividência
O acervo do laboratório registra mais de 10 mil sessões de
testes, a maioria deles decepcionantes. Alguns poucos voluntários, porém, conseguiam
adivinhar cartas com taxa de
acerto maior do que se esperaria por puro acaso.
E lá estava a prova de que a
clarividência existiria: planilhas mostrando que alguns
poucos voluntários tinham obtido sucesso que não é explicável apenas pela sorte.
Qualquer pessoa com um mínimo de ceticismo, claro, torce
o nariz. Quem garante que o
próprio Rhine não estava trapaceando? Horn dedica boa
parte do livro a mostrar como o
cientista conseguiu proteger
razoavelmente bem os seus dados de críticas de manipulação.
Sem uma teoria minimamente plausível para explicar
seus experimentos, porém, o
laboratório da Duke também
não conseguiu convencer grupos sérios de outras universidades a tentarem reproduzir os
experimentos. E, mesmo que o
bombardeio dos céticos nunca
tenha cessado, o laboratório
acabou sendo mais vítima da
descrença de amigos.
Planilhas cheias de números,
claro, não são tão interessantes
quanto relatos anedóticos de
"poltergeists" e histórias de
fantasmas. O laboratório até
chegou a investir um pouco em
"pesquisa de campo", investigando casos supostamente
reais que inspiraram os filmes
"Poltergeist" e "O Exorcista",
mas Rhine rejeitou levar ao periódico "Journal of Parapsychology" estudos que não tivessem um corpo de provas rígido.
Muitos dos filantropos que
bancavam o laboratório, porém, estavam interessados
mesmo era em contatar entes
queridos no além. Não queriam
saber de dados e baralhos. E financiadores mais benevolentes, como a Fundação Rockefeller, também acabaram se vendo com reputação ameaçada.
Na década de 1960, Rhine fez
algumas tentativas de reavivar
o laboratório, entre elas a de receber o psicólogo Timothy
Leary para testar se o LSD poderia dar habilidades de clarividência a pessoas normais. Aparentemente, foi divertido, e só.
O dinheiro para pesquisa em
parapsicologia foi aos poucos
indo embora. A Duke nunca fechou oficialmente o laboratório, hoje batizado de Centro
Rhine. A Associação Americana para o Avanço da Ciência,
apesar de não dar mais crédito
ao tema, nunca desfiliou a Associação de Parapsicologia de
Rhine. O físico John Wheeler,
na década de 1970, defendeu isso, mas não foi atendido.
O livro de Horn, porém, talvez seja condescendente demais com Rhine ao descrever o
debate de parapsicólogos contra céticos como um "empate".
Aí talvez valha uma velha regra:
alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Acredite quem quiser que
as planilhas de Rhine são a prova da clarividência.
Em se tratando de jornalismo, porém, um cético de mente
mais fechada dificilmente levantaria a história fascinante
que Horn esquadrinhou.
LIVRO - "Unbelievable" ("Inacreditável")
de Stacy Horn; Ecco,
294 págs., US$ 24
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