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ENTREVISTA: MARINA SILVA
Meio ambiente não é o vilão do crescimento
Se o desenvolvimento do país não for "sustentável", o Brasil andará na contramão da história, argumenta a ministra
APÓS TRÊS anos e 11 meses à frente do Ministério do Meio Ambiente, Marina Silva
viu, nos últimos dias, a questão ambiental
ser alçada ao topo das prioridades nacionais -só que listada como entrave, não como aliada, e
pelo próprio Presidente da República. Assumidamente desconfortável com a inclusão do licenciamento
ambiental na lista das barreiras ao crescimento econômico, ela insiste que "crescimento" precisa ser
acompanhado de um adjetivo: "sustentável".
>Lula Marques/Folha Imagem
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Marina Silva dá entrevista em seu gabinete, no Ministério do Meio Ambiente |
MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
"Se não for sustentável, não é
desenvolvimento, é a repetição
das catástrofes que nós estamos vendo e combatendo".
Segundo a ministra, problemas com licenças ambientais
são limitados a poucos empreendimentos, como a usina
hidrelétrica de Belo Monte e
transposição do rio São Francisco, ambos paralisados pela
Justiça. Os problemas, diz, devem ser procurados em outros
setores -sem apontar quais.
Quando Marina voltou de
uma conferência sobre clima
no Quênia, na semana passada,
o governo já havia deflagrado
debate sobre a necessidade de
mudanças na legislação ambiental. O debate, revela a ministra, inclui uma nova regra
para a chamada compensação
ambiental, mecanismo pelo
qual empreendimentos destinam percentual proporcional
ao dano que causaram a unidades de conservação .
No cargo desde o primeiro
dia de mandato de Lula, Marina
não sabe se ficará no cargo após
o final do ano. Ela ainda não
conversou com o presidente
sobre o tratamento da questão
ambiental como vilão no mais
recente debate do desenvolvimento. Mas não nega as pressões: "Todo dia, a gente pega
uma cobra pelo rabo e um boi
pelo chifre".
FOLHA - O presidente Lula pôs a
questão ambiental na lista de entraves ao crescimento. Os ambientalistas reagiram, seu secretário-executivo, Cláudio Langone, falou que o
setor não seria "bode expiatório".
De que lado a sra fica?
MARINA SILVA - O Langone usou
uma força de expressão. Existe
um conjunto de fatores que
precisam ser tratados em relação ao crescimento econômico.
O setor ambiental não pode, no
meu entendimento, ser tratado
nem como o que dificulta nem
como o que a priori facilita.
FOLHA - Há pressão para que o
Meio Ambiente relaxe na concessão
de licenças ambientais?
MARINA - Ninguém pode propor a um gestor público que relaxe o cumprimento da lei. O
presidente Lula está tratando
do conjunto dos problemas.
Quando chegamos aqui, o setor
de licenciamento tinha sete
pessoas do quadro efetivo. Por
decisão do presidente, aumentamos em 30% o efetivo do ministério e do Ibama. O Ibama
vai poder chamar mais 300
concursados. No caso do setor
ambiental, a eficiência do órgão
de licenciamento expõe também alguns problemas dos empreendedores.
FOLHA - Qual é a avaliação que a
sra. faz hoje da eficiência do licenciamento ambiental?
MARINA - Nos últimos oito anos
[governo FHC], a média de licenciamento no Ibama era de
145 licenças por ano. Atualmente é de 225 licenças. Quando chegamos aqui, tínhamos 45
empreendimentos parados por
decisão judicial. E é engraçado
que não havia um levante neste
país em decorrência disso.
FOLHA - A que a sra. atribui então o
tal "levante"?
MARINA - Eu acho que é o conjunto das coisas. Imagino que
há vários outros problemas, em
relação a vários outros setores.
FOLHA - Por exemplo?
MARINA - Num país como o
Brasil, que nos últimos dez
anos tem tido dificuldades de
crescimento, não se pode reduzir a um ou outro aspecto o problema do crescimento. O meu
ministério faz parte do processo, mas está muito longe de estar na estrutura do problema.
FOLHA - A sra. elogia a legislação
ambiental, mas mudanças foram
discutidas com o presidente em 17
de novembro, pelo menos o envio
ao Congresso da regulamentação
do artigo 23 da Constituição. Muda
substancialmente o processo?
MARINA - Isso foi uma discussão que fizemos com o Parlamento, com o Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente], com os Estados, com as prefeituras e com a sociedade civil.
O acordo estava fechado 100%
e em fevereiro foi encaminhado
à Casa Civil. É a questão das
competências do licenciamento. Existem alguns empreendimentos que são de competência dos Estados e outros que são
da União. Com a regulamentação, vamos evitar esse tipo de
questionamento. Aliás, um dos
grandes problemas do licenciamento são estudos precários.
Nós já tivemos casos em que as
pessoas colaram fotografias da
internet de uma cachoeira na
Venezuela, de algum lugar aí.
FOLHA - Há algum setor do governo com menos sensibilidade para a
questão ambiental?
MARINA - Não é uma questão de
sensibilidade, é uma questão de
objetividade. Um país que tem
165.000 km2 de área desflorestada abandonada ou semi-abandonada pode dobrar a sua
produção de grãos sem precisar derrubar mais um pé de
mato. Por que não lançar mão
da tecnologia existente na Embrapa pra fazer isso no lugar de
fazermos uma coisa superatrasada que é derrubar floresta e
destruir biodiversidade?
FOLHA - Alguém defende isso no
governo?
MARINA - Não sei se tem dentro
do governo. Acho que, infelizmente, essas idéias ainda estão
na sociedade. Pelo menos pela
minha experiência, nestes 3
anos e 11 meses que estou aqui,
temos trabalhado a partir dessa
visão: meio ambiente não é
uma camada de dificuldade ao
desenvolvimento, é a única forma de fazer um desenvolvimento com condições de ser
duradouro, virtuoso.
FOLHA - Esse modelo esteve algum
momento em risco nesse debate?
MARINA - Olha, eu sempre brinco com minha equipe que todo
dia a gente pega uma cobra pelo
rabo e um boi pelo chifre.
FOLHA - A sra. sente desconforto?
MARINA - Se eu fizer um retrospecto, não vou encontrar momento confortável. Durante esses anos todos desde que me
tornei ambientalista, aos 17
anos, tem sido desconfortável.
No debate deste momento, é
importante que fique claro que
licenças foram dadas e obras licenciadas não foram iniciadas.
FOLHA - Qual é a possibilidade de
permanência no comando do Meio
Ambiente no segundo mandato?
MARINA - O presidente está fazendo conversas com partidos
da base aliada. Eu e a minha
equipe trabalhamos com a
mesma paixão com que começamos até o dia 31 de dezembro
de 2006, se assim o presidente
entender e se assim eu entender também que será. Agora, eu
acho que existe um patamar de
conquista do primeiro governo
dele que, da mesma forma como foi capaz de conciliar o
equilíbrio econômico com a
questão social, terá de ser capaz
de conciliar o crescimento econômico e a questão ambiental.
FOLHA - Quando a sra. diz "se assim
eu entender também", há uma sugestão de que o desconforto do debate inviabiliza sua permanência?
MARINA - Eu ainda não conversei com ele [Lula] sobre isso.
Como ministra e responsável
pelo setor ambiental, minha
obrigação é fazer com que essa
discussão fique do tamanho
que ela deve ser: o meio ambiente não é o vilão do desenvolvimento. Os países em desenvolvimento têm cerca de
50% de seu PIB a partir da sua
biodiversidade. Quem, em sã
consciência, quer sacrificar
50% de seu PIB?
FOLHA - É fácil dialogar com a ministra Dilma Rousseff [Casa Civil]?
MARINA - A ministra Dilma é
uma pessoa muito competente,
muito segura do ponto de vista
dela. E eu, ainda que não tenha
a competência que ela tem,
também sou muito segura dos
meus pontos de vista.
FOLHA - E eles são convergentes?
MARINA - Olha, quando se é governo, dois lados não podem se
colocar em oposição. A ministra Dilma quer o desenvolvimento, mas tenho certeza de
que também quer a proteção
dos recursos naturais. A ministra Marina quer a proteção dos
recursos naturais, mas também
quer o crescimento econômico.
Só que o meu crescimento econômico eu adjetivo, ele tem de
ser sustentável, se não for sustentável não é desenvolvimento, é a repetição das catástrofes
que estamos vendo e combatendo, é estar na contramão da
história.
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