|
Próximo Texto | Índice
ZOOLOGIA
Estudo de animais domesticados por russos desde 1959 mostra correlação entre genética e comportamento dócil
Raposa domesticada aponta origem do cão
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Um novo estudo está colocando
uma peça importante num quebra-cabeças que deve atormentar
todos os possuidores de um vira-latas: como um carnívoro selvagem pode virar o melhor amigo
do homem? Desta vez, porém, a
pista veio não de cães, mas de raposas domesticadas. Tudo indica
que mudanças na ativação de alguns poucos genes no cérebro foram capazes de transformar os bichos, de anti-sociais que eram, em
totós de primeira.
O trabalho, coordenado pela argentina naturalizada sueca Elena
Jazin, da Universidade de Uppsala, faz parte de uma série de achados intrigantes feitos com raposas-prateadas criadas em cativeiro por russos desde 1959.
Ninguém estava interessado em
transformar os bichos em cachorrinhos -os russos queriam mesmo era a pele delas-, mas os
criadores acabaram fazendo o
que pecuaristas humanos fazem
há milênios com outras espécies:
selecionando os animais de acordo com uma característica desejada: mansidão, no caso (eles não
queriam ser mordidos).
As décadas se passaram e, no
processo, os fazendeiros da Sibéria criaram não apenas uma raça
de raposas que se deixava manusear com docilidade por humanos, mas que também que era estranhamente "cachorresca". Os
bichos manifestavam uma bizarra tendência a serem malhados,
como muitos cães domésticos
(mas nenhuma raposa), a terem
orelhas caídas e caudas enroladas.
De quebra, testes comportamentais mostraram que a linhagem era tão capacitada para entender sinais feitos por pessoas
-como dedos apontando e olhares em determinada direção-
quanto a maioria dos cachorros.
Isso pode parecer uma bobagem,
mas tal talento cria um verdadeiro
abismo entre os cães e todos os
outros animais, inclusive os grandes macacos, os parentes mais
próximos da humanidade.
A pergunta de Jazin e seus colegas da Suécia era até que ponto essas mudanças brutais de comportamento tinham a ver com alterações na bioquímica do cérebro.
Para isso, eles estudaram alguns
exemplares da linhagem mansa
que foram trazidos da Rússia pela
Universidade Norueguesa de
Ciências da Vida. Os bichos foram comparados com raposas
selvagens e com outras de cativeiro, mas que não foram selecionadas para serem mansas.
O que o grupo levou em conta
nessa comparação foi a chamada
expressão gênica, uma medida de
quanto certo gene está ativo, baseada na quantidade de cópias de
mRNA, ou RNA mensageiro. Essa molécula faz a ponte entre a informação "pura" contida no DNA
e a proteína, que realiza realmente
as funções na célula e tem sua "receita" escrita nos genes. Quanto
mais cópias de "seu" mRNA circulam, mais ativo está um gene.
A análise investigou os genes
ativos no tecido cerebral, percebendo que a diferença entre as raposas da raça mansa e as demais
era ridiculamente pequena -não
mais que 40 seqüências de
mRNA. "Vários parecem pertencer à mesma família de genes, então, muito provavelmente, a
quantidade total de genes [diferentemente expressados] é menor
que 40]", explica Jazin.
Ela conta que ainda não foi possível peneirar as seqüências em
busca de suas funções específicas,
mas algumas, previsivelmente,
parecem estar ligadas ao processamento dos opióides -um tipo
de neurotransmissor, ou mensageiro químico cerebral.
Para Jazin, o estudo ajuda a
mostrar que "mudanças em poucos genes no cérebro podem ser
capazes de induzir grandes mudanças comportamentais". Há
quem proponha exatamente esse
tipo de evolução -em relativamente poucos genes, e em sua expressão- para explicar a diferença entre seres humanos e chimpanzés, apesar da semelhança entre o DNA de ambos ser de cerca
de 99%. A pesquisadora, porém,
diz ser complicado fazer esse tipo
de extrapolação com os dados
atuais, em razão das grandes diferenças ambientais entre humanos
e seus parentes mais próximos,
que também poderiam ter grande
efeito sobre a expressão gênica.
O estudo foi publicado na revista científica "Current Biology"
(www.current-biology.com).
Próximo Texto: Panorâmica - Turismo espacial: Russos reafirmam plano de vôo lunar por US$ 100 mi Índice
|