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Plano de lançar foguete enfrenta atraso
Dois projetos nacionais não devem virar realidade no governo Lula, contrariando promessa do presidente após desastre
VLS, totalmente brasileiro,
e lançador feito em parceria
com ucranianos correm risco
de competir entre si e de
ter mercado desfavorável
Honório Moreira - 18.ago.2008/Folha Imagem
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Local onde ficava a torre de lançamento do foguete VLS, cuja explosão matou 21 pessoas em 2003, ainda chamuscado em 2008
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
O Programa Espacial Brasileiro entrou em seu último ano
sob o governo Lula com dificuldades para cumprir uma promessa feita pelo presidente: colocar um foguete em órbita.
Os dois projetos que podem
conseguir isso provavelmente
só terão voos de qualificação
após o mandato de Luiz Inácio
Lula da Silva, e alguns especialistas dizem que as duas empreitadas acabarão competindo uma com a outra.
Quando o VLS (Veículo Lançador de Satélites) explodiu em
2003, matando 21 pessoas no
CLA (Centro de Lançamento
de Alcântara), no Maranhão,
Lula afirmou que ajudaria o
projeto da Aeronáutica a se recuperar a tempo de lançar o foguete no ano seguinte. Não foi
tão rápido. O VLS - que pretende colocar satélites de até
400 kg em órbita baixa (cerca
de 800 km)- foi retomado,
mas só terá um primeiro lançamento experimental em 2011.
Consórcio
O outro foguete a ser lançado
do Maranhão é o Cyclone-4,
projetado pela binacional ACS
(Alcântara Cyclone Space),
criada pelos governos de Brasil
e Ucrânia. O projeto -capaz de
levar 1.600 kg a órbitas de 35
mil km de altitude- mantém o
cronograma com lançamento
em 2010, mas está com dificuldades de financiamento.
As empresas ucranianas do
consórcio que constrói o veículo reconheceram que precisam
de US$ 200 milhões para finalizá-lo. Até o Natal, não anunciaram ter conseguido o dinheiro.
Especialistas ouvidos pela
Folha que não estão envolvidos nos projetos, porém, afirmam que os problemas de curto prazo são os menos graves.
"Não será possível o país
manter o foco em veículos com
a capacidade do VLS, pois não
existe nicho [de mercado] de
satélites de pequeno porte",
afirma José Nivaldo Hinckel,
engenheiro do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais) especialista em satélites.
"Se o Brasil quiser contar com
um programa autônomo, ele
vai ter de fazer um veículo que
competirá com o Cyclone-4."
A AEB (Agência Espacial
Brasileira), encarregada de dar
unidade às ações fragmentados
que hoje compõem o programa
espacial brasileiro, rejeita essa
visão. O presidente da agência,
Carlos Ganem, porém, já escreveu, em um artigo para o jornal
"Correio Braziliense", que o
uso do Cyclone-4 em Alcântara
é "uma solução intermediária".
Ganem, contudo, disse à Folha que se tinha se expressado
mal. "Não estudei semiologia, e
o português é uma língua rica",
disse. "Falei intermediário porque temos com eles [ucranianos] uma relação de grande expectativa e, até que ela se efetive, será intermediária."
Ainda que o discurso oficial
da AEB e da ACS seja de cordialidade, a relação entre as duas
entidades já mostrou sinais de
desgaste. Em agosto, uma reunião com autoridades do programa espacial acabou em briga, após uma discussão entre
Roberto Amaral, diretor da
ACS, e o major-brigadeiro Antonio Hugo Chaves, que representava a AEB no encontro.
Uma versão do caso, publicada pelo jornal "O Globo", descrevia cena na qual Amaral teria esmurrado a mesa e arremessado um copo na direção de
Chaves. Em carta pública, o diretor da ACS negou o ataque.
Amaral, porém, reconhece
que houve discussão sobre o
cronograma de obras em Alcântara. A Folha apurou que a
Aeronáutica estava resistindo à
pressão para empreender recursos na reforma de uma pista
de pouso em Alcântara, obra
que é essencial para a ACS.
O presidente da AEB não revela o teor do encontro que
acabou em discussão, mas afastou Chaves de seu cargo na
agência. Ganem diz que "a Aeronáutica tinha se comprometido a realizar essa obra, mas só
pôde terminá-la depois de uma
incisiva cobrança" de sua parte.
Hoje, enquanto Brasil e
Ucrânia pretendem investir
US$ 485 milhões para capitalizar a ACS, o projeto VLS, exclusivamente brasileiro, tenta
avançar com um orçamento de
cerca de R$ 35 milhões/ano.
Apesar da diferença, o coronel Francisco Pantoja, diretor
do IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), que desenvolve
o VLS, evita críticas. "Com o
que recebemos, dá para trabalhar dentro do cronograma."
Justificativas
O volume maior de verba
destinado ao Cyclone-4 se justifica, em parte, por se tratar de
um foguete de porte mais competitivo no mercado de lançamento. Mas a política adotada
tem críticos. "A justificativa para o desenvolvimento de um
veículo [foguete lançador] próprio é de caráter estratégico, o
que exclui algo produzido por
uma parceria oportunista e sujeita a restrições", diz Hinckel.
Outro engenheiro do setor
aeroespacial, que conversou
com a Folha sob a condição de
anonimato, disse ter dúvidas
sobre a viabilidade da ACS.
"É complicado pensar um
projeto de longo prazo desses
sem apoio forte dos militares",
diz. "Mesmo que você tenha todo o apoio do governo, o presidente alguma hora vai embora,
mas os militares ficam."
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