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Descoberta acidental leva a tratamento para memória
Britânicos testam implante de eletrodo no cérebro
JEREMY LAURANCE
DO "INDEPENDENT"
Cientistas que realizaram
uma cirurgia cerebral experimental em um homem de 50
anos tropeçaram com um mecanismo que pode revelar como
a memória opera.
O avanço acidental ocorreu
durante um experimento cujo
propósito original era inibir o
apetite de um homem obeso,
empregando eletricidade. Eletrodos foram inseridos no cérebro do paciente e então ligados.
Em lugar de perder seu apetite,
o paciente viveu uma intensa
experiência de "déjà vu". Ele se
recordou, em detalhes, de uma
cena ocorrida 30 anos antes.
Outros testes revelaram que
sua capacidade de aprender teve uma melhora dramática
quando a corrente foi ligada, e
seu cérebro, estimulado.
Agora cientistas estão aplicando a técnica no primeiro
teste clínico do tratamento
com doentes de Alzheimer, oferecendo a eles uma espécie de
"marca-passo" cerebral. Três
pessoas já foram submetidas ao
tratamento, e os resultados iniciais são promissores, de acordo com Andrés Lozano, professor de neurocirurgia no Hospital Toronto Western, em Ontario, que chefia a pesquisa.
Lozano explicou: "Esta é a
primeira vez em que se implantam no cérebro de uma pessoa
eletrodos que comprovadamente melhoram a memória.
Estamos estimulando a atividade do cérebro, aumentando
sua sensibilidade em elevar o
volume dos circuitos de memória. Qualquer evento que envolva os circuitos de memória terá
maior probabilidade de ser
guardado e retido."
A descoberta pegou Lozano e
sua equipe "completamente de
surpresa", disse o professor.
Eles estavam operando o paciente, que pesava 190 quilos,
para tratá-lo da obesidade, localizando o ponto no cérebro
que controla o apetite. Todas as
tentativas anteriores de reduzir seu consumo de alimentos
tinham fracassado, e a cirurgia
cerebral era o último recurso.
O tratamento fracassou como combate à obesidade. Mas,
enquanto os pesquisadores
identificavam potenciais pontos de supressão do apetite localizados no hipotálamo, a parte do cérebro associada à fome,
o homem de repente começou
a dizer que sua memória estava
retornando com grande força.
"Ele relatou a experiência de
estar num parque com amigos
de sua época de 20 anos de idade, e, quando a intensidade dos
estímulos aumentou, os detalhes se tornaram mais nítidos.
Ele reconheceu sua namorada
da época. A cena era colorida",
escreveram os cientistas em estudo na revista "Annals of Neurology", na quarta-feira.
O paciente também foi testado para sua capacidade de memorizar listas de objetos em
pares. Após três semanas de estímulo contínuo do hipotálamo, seu desempenho em dois
testes de aprendizado teve uma
melhora significativa. Ele também memorizava melhor uma
lista de objetos não relacionados em pares quando os eletrodos estavam ligados.
"O desempenho dele apresentou melhora dramática",
disse Lozano. "Quando intensificamos a corrente, primeiro
estimulamos seus circuitos de
memória e melhoramos sua capacidade de aprendizado. À
medida que aumentávamos a
intensidade da corrente, ouvíamos recordações espontâneas
de acontecimentos distintos. A
determinada intensidade, ele
retornava à cena no parque."
Fora de lugar
A descoberta surpreendeu os
cientistas, já que o hipotálamo
não costuma ser identificado
como sede da memória. Os contatos que mais prontamente
geravam as memórias estavam
situados perto de uma estrutura chamada fórnix, dentro do
chamado sistema límbico, envolvido em memória e emoção.
Lozano já tinha experiência
com estimulação cerebral com
eletrodos, tendo realizado 400
cirurgias com doentes de Parkinson, e está tentando adaptar
a técnica para tratar depressão.
O uso dos eletrodos contra o
Alzheimer está na fase de testes
de segurança. Três pacientes já
receberam os implantes cerebrais. Os eletrodos são ligados
por um cabo que desce até uma
bateria costurada sob a pele do
peito. O "marca-passo" para a
memória emite uma corrente
elétrica tênue e constante que
estimula o cérebro, mas não é
percebida pelo paciente.
Outros cientistas elogiaram a
descoberta. "Se eles tivessem
proposto inserir um eletrodo
no hipotálamo para modificar o
mal de Alzheimer, eu teria dito
"por que começar por ali?" Mas,
se fizeram uma descoberta acidental feliz, então isso é ótimo",
diz Andrea Malizia, farmacóloga da Universidade de Bristol.
Tradução de Clara Allain
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