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Naufrágio lento explica "desastre civilizado" no Titanic
As horas que embarcação levou para afundar permitiram o restabelecimento de padrões sociais, dizem cientistas
Estudo de trio da Suíça e da
Austrália quer mostrar como a impulsividade influi nas escolhas, questionando
modelo econômico clássico
RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL
A cena, no filme "Titanic",
dos cavalheiros tocando violino
calmamente enquanto o navio
afundava agora foi explicada
pelos cientistas.
Eles ficaram intrigados comparando a embarcação, que
naufragou em 1912, a outra parecida, o Lusitania, que afundou em 1915. Se no Titanic a ordem social e a civilidade foram,
em geral, mantidas, com mulheres e crianças tendo sobrevivido, no Lusitania os homens
jovens não hesitaram em usar a
força para se salvar. Por que a
diferença entre os navios?
A resposta se relaciona com a
demora do Titanic em afundar,
diz Benno Torgler, economista
da Universidade de Tecnologia
de Queensland (Austrália). Ele
se interessou pelo assunto
quando percebeu que as duas
embarcações eram muito semelhantes, com tamanhos parecidos e passageiros de várias
classes sociais. Analisou uma
grande quantidade de dados
disponíveis sobre as tragédias
para chegar à sua conclusão.
O Lusitania, cujo torpedeamento por um submarino alemão acabou levando os Estados
Unidos à Primeira Guerra
Mundial, afundou em 18 minutos. Para Torgler, aconteceu
uma explosão de adrenalina no
cérebro dos passageiros, criando desespero e fazendo com
que as regras sociais fossem jogadas no lixo, substituídas por
um espírito de "cada um por si".
"Quando não há tempo disponível, os instintos naturais de
sobrevivência dominam", diz.
Mas "a adrenalina se degrada
rapidamente, a resposta é limitada a alguns minutos", escrevem os economistas. Como o
Titanic, que se chocou com um
iceberg, levou quase três horas
para afundar, existiu tempo suficiente para que os comportamentos voltassem aos padrões
sociais. Os passageiros da classe econômica, especialmente
os homens, ficaram de fora dos
botes salva-vidas, em geral.
Outros fatores
No trabalho publicado na revista científica "PNAS", os autores lembram, entretanto, que
outros fatores podem ter ajudado a fazer dois episódios parecidos terem resultados tão
diferentes. Talvez a sombra da
Primeira Guerra tenha feito
com que os passageiros do Lusitania acreditassem que não
tinham muito a perder sendo
egoístas, por exemplo.
Os economistas dizem também que quem estava no Lusitania provavelmente sabia o
que tinha acontecido três anos
antes no Titanic. Podem ter
aprendido a lição: ninguém vai
aparecer para o resgate.
Vida real
Torgler é um entusiasta da
utilização de episódios históricos no estudo do comportamento. "Estou entusiasmado
explorando como pessoas
agem em situações de vida ou
morte, porque é nelas em que
se revelam as reais atitudes. É
diferente de fazer uma pesquisa perguntando para as pessoas
o que elas fariam."
O economista pretende mostrar como a impulsividade faz
diferença nas escolhas das pessoas, que não são como "os modelos econômicos tradicionais
previam". Elas nem sempre tomam a decisão mais racional.
Ele quer prosseguir com esses estudos, agora analisando
os dados de 11 de setembro.
Além disso, pretende saber
se a noção prévia de que o risco
existe muda o comportamento.
Quer explorar como agem
montanhistas no Himalaia, que
sabem que tudo pode dar errado. "É diferente de desastres
em navios, em que os passageiros, desprevenidos, não estão
preparados para reagir", diz.
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