São Paulo, quinta-feira, 02 de maio de 2002

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CIBERNÉTICA

Eletrodos no cérebro comandam movimentos de roedores; princípio poderá originar robôs biológicos de resgate

Cientista dirige ratos por controle remoto

Sanjiv Talwar/Divulgação
Rato com transmissor de rádio no dorso caminha por um trilho


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Os ratos de laboratório já fizeram de tudo pela ciência. Ou quase. Desta vez, um pesquisador conseguiu teleguiar os bichos a uma distância de até 500 metros usando um computador portátil comum, após implantar eletrodos no cérebro deles.
Com esse aparato relativamente simples, ele treinou os roedores para andar por labirintos, subir escadas e até correr em espaços iluminados, uma tarefa que os ratinhos não costumam encarar com simpatia. Tudo em tempo real, afirma Sanjiv Talwar, da Universidade do Estado de Nova York, autor principal de uma pesquisa que sai hoje na revista científica Nature (www.nature.com).
O truque cibernético, segundo o pesquisador, não é só uma curiosidade: o princípio poderá ser utilizado para ajudar pessoas que perderam o movimento dos membros ou criar "robôs biológicos", minúsculos e espertos, capazes de entrar em prédios desabados e localizar pessoas feridas.
Talwar, indiano de 35 anos radicado nos Estados Unidos, contou à Folha que a idéia para os ratinhos ciborgues foi inspirada no trabalho do brasileiro Miguel Nicolelis, da Universidade Duke (também nos EUA), especialista em neurorrobótica -ciência que tenta criar uma forma de interação entre o cérebro e componentes mecânicos. "Ele é um pioneiro dessa área, e as discussões com ele nos ajudaram muito", afirmou.
Um dos trabalhos de Nicolelis ficou famoso por permitir que um macaco-coruja movesse um braço mecânico usando apenas o cérebro. Era isso o que Talwar tinha em mente. "A idéia é descobrir uma maneira de fazer com que seja possível sentir os objetos virtualmente e, ao mesmo tempo, usar essa sensação virtual para a recuperação dos movimentos, que é o mais difícil", explicou.

Bigode virtual
É aí que entram os roedores. Conduzir ratos por um labirinto usando um sistema de estímulo e recompensa é uma prática antiga. Que tal, então, colocar esse sistema na cabeça dos bichos?
Foi o que Talwar e seus colegas fizeram. Dois eletrodos foram implantados no cérebro dos animais: um na região que comanda os seus sensíveis bigodes e outro num centro de prazer -a famosa área de recompensa. "Essa área, no nosso cérebro, produz uma sensação de euforia intensa quando estimulada", disse o indiano.
O time de roedores, então, começou a ser treinado. Num labirinto comum de laboratório, os bigodes eram "tocados" virtualmente de cada lado. Se o rato virava para a esquerda quando seu bigode era estimulado desse lado, uma suave descarga do eletrodo o recompensava no centro de prazer. As ordens elétricas eram transmitidas por um computador portátil a um microprocessador carregado pelo animal no dorso, como uma mochila.

Contra o instinto
Depois de aprender a identificar os sinais nos bigodes para virar e o sinal para ir em frente -no caso, um leve "toque" no centro de prazer"-, os bichinhos foram para espaços abertos e conseguiram subir em árvores, andar em superfícies estreitas, atravessar túneis, saltar e até sair correndo por áreas iluminadas.
"Fazer isso não é natural para esses animais, mas eles conseguem julgar os prós e os contras da ação: "É meio estranho, mas eu ganho a recompensa'", afirmou Talwar. A experiência bem-sucedida sugeriu aos pesquisadores a idéia de transformar os animais em robôs de resgate. "Você sabe, depois dos atentados de 11 de setembro, desabamentos e catástrofes desse tipo têm preocupado muita gente", diz o indiano.
"Eles poderiam entrar em lugares que nenhum robô conseguiria alcançar, de forma muito mais eficiente. Vamos continuar trabalhando nisso, embora eu reconheça alguns problemas éticos nessa linha de estudo."
Contudo, o que aconteceria se alguém resolvesse usar essa tecnologia para controlar pessoas? Talwar é taxativo: "A recompensa só viria se a pessoa quisesse obedecer. O livre arbítrio continuaria existindo", afirma o pesquisador.



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