|
Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
RICHARD WRANGHAM
Comida cozida ajudou a forjar evolução da humanidade
Pesquisador propõe que ancestrais do
homem já modificavam alimento com
o fogo há cerca de 2 milhões de anos
SE HÁ algo que torna os seres humanos criaturas únicas, diz o primatologista Richard
Wrangham, da Universidade Harvard, é o
ato de cozinhar. Modificar o alimento com a
ajuda do fogo é uma tradição mais antiga que o próprio Homo sapiens, tendo moldado a fisiologia e o
comportamento humanos, afirma ele. O sistema digestivo aproveita muito mais a energia dos alimentos cozidos, e a primeira divisão de trabalho se deu
entre quem caçava e quem preparava a comida.
Tim Laman/Bloomberg
|
|
O primatologista britânico Richard Wrangham, de Harvard, autor do novo livro "Pegando Fogo"
RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL
Essa é a tese de seu novo livro, "Pegando Fogo: Por que
cozinhar nos tornou humanos", recém-lançado no Brasil
pela editora Jorge Zahar. Embora faltem dados arqueológicos, Wrangham aposta que o
hábito de cozinhar remonta a
quase 2 milhões de anos atrás,
era em que o Homo erectus,
possível ancestral do homem,
surgia na África. Confira a entrevista abaixo.
FOLHA - Ir a campo observar chimpanzés está saindo de moda? Ainda
há o que pesquisar assim?
RICHARD WRANGHAM - Na verdade, mais e mais pesquisadores
estão trabalhando com os
chimpanzés na floresta. Além
dos sítios clássicos de pesquisa
(como Gombe e Mahale, na
Tanzânia, Taï, na Costa do
Marfim, e Kibale, em Uganda),
eles estão sendo os pioneiros
em novos lugares (como Fongoli, no Senegal, e Goualougo,
no Congo). Fazem isso porque
sabem que os chimpanzés têm
muito a nos contar, mas que o
tempo é curto: a cada década,
mais populações e habitats desaparecem. Aparentemente
existem importantes diferenças no comportamento dos animais, mas nós ainda não temos
certeza sobre por que ocorrem.
E nós ainda sabemos pouco
sobre uma grande questão: por
que chimpanzés e bonobos [espécie "hippie" que é prima do
chimpanzé comum, mas é muito dócil] se comportam de maneira tão diferente -uma questão que poderia ajudar a entender por que humanos têm uma
mistura ímpar de tendências
pacíficas e violentas.
FOLHA - Há 13 anos, o sr. escreveu
"O Macho Demoníaco", que causou
polêmica ao mostrar o comportamento altamente violento dos
chimpanzés, com estupros e massacres, e traçar um paralelo com humanos. Em 2010, a ideia do "bom
selvagem" ainda está forte?
WRANGHAM - Sem dúvida esse
debate vai existir por muito
tempo. Mas minha impressão é
que, em geral, as pessoas estão
ficando mais atentas à importância da biologia na psicologia
humana, incluindo a nossa tendência à violência -e as nossas
interações pacíficas.
Está, também, ficando mais
claro que entender os chimpanzés é importante. Os filmes
ajudaram a mostrar às pessoas
o que acontece na floresta, então todos agora podem ter a experiência que uns poucos privilegiados como eu conseguiam
ter décadas atrás.
FOLHA - A presença de pesquisadores como o sr. entre os animais não
altera o comportamento deles?
WRANGHAM - Ao contrário de
pessoas trabalhando em santuários ou em zoológicos, como
um observador de campo eu
não interajo com os chimpanzés: meu objetivo é ser uma
sombra, sempre presente mas
ignorado, nunca em contato físico ou social com eles.
FOLHA - Mas existe uma relação
emocional com os bichos?
WRANGHAM - Eu certamente
sinto falta de ficar com os chimpanzés. Fico fascinado com os
indivíduos e emocionalmente
envolvido com a novela das
suas vidas, mas a relação que
tenho com os meus objetos de
estudo é diferente da relação
com o meu cachorro.
FOLHA - Sobre o seu novo livro,
"Pegando Fogo": o sr. diz que foram
os ancestrais do homem que dominaram o fogo, e não o Homo sapiens.
Mas não há evidência arqueológica
de que isso tenha acontecido. Como
o sr. lida com isso?
WRANGHAM - A questão é o
quanto a "ausência de evidência" significa "evidência de ausência". Espero que mais cientistas procurem evidências de
fogo há 1,8 milhão de anos
[quando surgiu o Homo erectus], e que eles as encontrem!
Mas os arqueólogos que acreditam que o fogo só foi controlado depois não explicam três
questões: sem fogo, por que os
humanos têm dentes pequenos, sistema digestivo curto e
dormem no chão [com o fogo,
nesse caso, tendo uma função
de proteção]?
FOLHA - O quanto o sr. acha que
seus livros são especulativos?
WRANGHAM - Tanto "O Macho
Demoníaco" quanto "Pegando
Fogo" apresentam ideias que
são novas e, certamente, têm
componentes especulativos.
Mas acho que sou suficientemente claro ao dizer quais partes são bem documentadas e
quais exigem mais evidências.
FOLHA - Por que Darwin ignorou
que o fogo talvez fosse uma força
importante na evolução humana?
WRANGHAM - Darwin escreveu
que "a descoberta do fogo, provavelmente a maior já feita pelo
homem depois da linguagem,
aconteceu antes do início da
história". Então ele achava que
o fogo era importante. Também percebeu a importância de
cozinhar. "[Com o fogo] raízes
duras e fibrosas podem se tornar digeríveis, e alimentos venenosos, inócuos." Mas Darwin
deu pouca atenção ao aspecto
evolutivo relacionado ao fogo
porque assumiu que a espécie
que aprendeu a controlar o fogo já era a humana.
Talvez Darwin fosse pensar
mais profundamente sobre o
papel do fogo se soubesse que
os humanos evoluíram dos australopitecos. Mas, nos tempos
de Darwin, não se sabia nada
sobre as origens humanas,
além da sua própria sugestão de
que os humanos vinham de algum tipo de primata africano.
FOLHA - O sr. também cita Lévi-Strauss como alguém que não reparou na importância de cozinhar para
a história evolutiva humana.
WRANGHAM - Lévi-Strauss
prestou atenção no ato de cozinhar, mas não no seu significado biológico. Simplesmente
nunca considerou a possibilidade de que cozinhar fazia alguma diferença. Mas dificilmente ele pode ser culpado por
isso. Mesmo os nutricionistas
raramente dizem que nós precisamos de comida cozida por
uma questão biológica.
FOLHA - O seu livro pode ser interpretado como uma crítica a quem
adota uma dieta de comida crua?
WRANGHAM - É um hábito que
não é natural nos seres humanos, mas pode ser uma boa dieta para perder peso.
FOLHA - O senhor gosta de comida
japonesa?
WRANGHAM - A minha favorita
é a mediterrânea.
Próximo Texto: Frases Índice
|