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Acelerador de gente
Socióloga que estudou os pesquisadores do LHC diz que experimento elimina noções tradicionais de autoria e prestígio
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JOSÉ GALISI-FILHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A o visitar o LHC
(Grande Colisor de
Hádrons) em abril
de 2008, o físico escocês Peter Higgs
pôde contrastar sua dimensão
humana com a escala gigantesca da maior máquina já construída pela humanidade.
Se a hipótese de Higgs estiver correta, os dados que começaram a jorrar nas últimas semanas do LHC fornecerão a última peça no quebra-cabeças
do modelo padrão, a teoria da
física que explica a matéria.
Mas a saga do LHC é resultado do trabalho de gerações de
pesquisadores, cujos nomes finalmente se diluirão na "simbiose homem-máquina" de um
novo paradigma, pela primeira
vez realmente global, de cooperação cientifica.
Para Karin Knorr Cetina,
professora de sociologia do conhecimento da Universidade
de Konstanz, Alemanha, o experimento é, antes de tudo, um
"laboratório humano" numa
escala sem precedentes na história da ciência moderna.
Cetina passou 30 anos observando os pesquisadores do
Cern (Centro Europeu de Física Nuclear), laboratório na Suíça que abriga o LHC, numa espécie de estudo "etnológico" da
tribo dos físicos, seus usos e
costumes. Segundo ela, noções
tradicionais na ciência, como
carreira, prestigio e autoria,
deixam de ter qualquer significado no modelo de produção
de conhecimento do Cern.
Da Universidade de Chicago,
EUA, onde é pesquisadora visitante, Cetina falou à Folha:
FOLHA - O que há de novo na forma de produzir conhecimento no
Cern, e como isso se compara com as
humanidades?
KARIN KNORR CETINA - O novo é a
dimensão, a duração e o caráter
global do experimento. A estrutura dos experimentos é um experimento em si mesmo, com
um caráter antecipatório de
um tempo global e de uma sociedade do conhecimento.
Poderíamos, talvez, fazer
uma comparação com aquele
espírito arrojado e inovador no
desenvolvimento do supersônico Concorde nos anos 1960,
que sinalizou uma ruptura de
época. Mas não se pode responder com uma simples frase ao
"como" esse experimento é
coordenado.
Há muitos mecanismos particulares que sustentam o projeto e o transformam numa espécie de "superorganismo", na íntima colaboração de mais de 2.000 físicos
com o gigantesco LHC, que eles
mesmo projetaram e no qual,
finalmente, trabalham juntos.
Um mecanismo muito importante são as publicações coletivas em ordem alfabética.
Quem é privilegiado não é o
"gênio", o autor, ou pesquisadores destacados em suas
áreas. Um outro mecanismo é
que o experimento mesmo, e
não os autores, é "convidado"
para as conferências internacionais.
Os atores individuais
são apenas os representantes
daquilo que produziram em
conjunto. Um outro mecanismo é que os participantes se encontram, por exemplo, durante
toda uma semana no Cern, e esses encontros são organizados
de tal maneira que todos possam e devam ser informados
sobre tudo que ocorre. Estabelece-se, assim, uma espécie de
consciência coletiva do "conhecimento compartilhado".
Como poderíamos comparar
isso com as ciências humanas?
Alguns diagnósticos de época
importantes, de historiadores e
filósofos, por exemplo, ainda
encontram ressonância na opinião pública, mas, infelizmente, a estrutura e a segmentação
da pesquisa nesse campo do conhecimento não tem mais nada
de interessante a oferecer. A
sociologia tradicional não sinaliza mais para a frente.
FOLHA - Depois de muitos anos de
pesquisa de campo em laboratórios
como uma etnógrafa da ciência, como se diferenciam as culturas científicas diante do papel do indivíduo?
CETINA - A biologia molecular,
que acompanhei por muitos
anos, é uma ciência "de bancada", na qual, por regra, poucos
pesquisadores trabalham juntos, na qual também se produz
e publica em coletivo, mas não
em ordem alfabética. O papel
do pesquisador individual ainda permanece importante.
Isso leva, como sabemos, a
conflitos em torno de autoria e
quem está em que posição na
publicação. A física de altas
energias procura, em contrapartida, liberar a cooperação,
na qual é o conjunto que está no
ponto central. O fio condutor
não é mais a carreira, mas o resultado cientifico. O acelerador
é o elemento dominante, pois
ele somente pode ser construído e avaliado por muitos.
FOLHA - Seria a natureza mesma
do projeto incompatível com um novo "insight" individual que poderia
mudar tudo de forma imprevisível?
CETINA - É bem mais provável,
no caso do Cern, que a pesquisa
em equipe deva produzir excelentes resultados empíricos.
Muitos pesquisadores em sociologia e nas humanidades, de
maneira geral, produzem resultados parciais, fragmentados,
que não se agregam dentro de
um sistema numa perspectiva
cumulativa -não porque a natureza do social seja fragmentada, mas porque nossa maneira de conduzir pesquisas, nossas convenções de pesquisa,
não se agregam.
Em muitas ciências empíricas devemos investigar no processo cooperativo -já que na
natureza todas as partes de
uma sistema se interrelacionam- ou todo o sistema ou saber qual é, realmente, a parte
central desse sistema que deve
ser isolada e destacada. Esse reducionismo experimental não
pode ser levado a cabo na ciência social por motivos éticos,
por se tratar de pessoas em sua
integridade, que não podemos
reduzir a células de cultura. Para tanto, seria necessário muito
mais cooperação e pesquisa.
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