São Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 2011

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ENTREVISTA CHARLES DUKE

Só temos mais duas missões. Depois disso, está acabado

MAIS JOVEM ASTRONAUTA A PISAR NA LUA VÊ FIM MELANCÓLICO PARA NAVES TRIPULADAS DA NASA E RELEMBRA DIAS DE GLÓRIA DO PROJETO APOLLO

Claus Ableiter/Creative Commons
Charles Duke fala em museu na Alemanha em 2008

SALVADOR NOGUEIRA
COLABORAÇÃO PARA FOLHA

"Temos mais duas missões do ônibus espacial. Depois disso, acabou." É dessa maneira melancólica que o ex-astronauta Charles Duke define o atual estado do programa espacial americano.
Selecionado em 1966 pela Nasa, aos 36 anos ele se tornou o astronauta mais jovem a pisar na Lua, em abril de 1972. Antes disso, serviu como "capcom" (o responsável pela comunicação entre o controle da missão e a espaçonave) durante o histórico pouso da Apollo 11 na Lua.
Duke esteve no Brasil para participar do 4º Encontro Internacional de Astronomia e Astronáutica, realizado no Rio. Ele confessa não compreender o atual destino da Nasa, que consiste em estimular empresas privadas a desenvolverem suas próprias naves, sem nenhum plano de exploração mais consistente.
Confira a entrevista.

 

Folha - O sr. foi um dos astronautas mais jovens no programa Apollo. Havia rivalidade entre veteranos e novatos?
Charles Duke - Estávamos todos numa competição, pois havia mais astronautas do que assentos disponíveis nas espaçonaves que iam para a Lua. Mas, mesmo com a competição, estávamos sempre satisfeitos com o sucesso de quem era escolhido.
Se você não fosse selecionado, tinha de trabalhar para apoiar quem foi. Porque, em caso de fracasso, o programa poderia ser cancelado, e aí você não teria chance nenhuma de chegar à sua vez.

Durante a missão Apollo 11, o sr. foi o responsável pela comunicação da espaçonave com o controle da missão. Como foi cumprir esse papel?
Foi uma grande honra ter sido selecionado por Neil [Armstrong] e Buzz [Aldrin] para isso. Provavelmente fui escolhido porque tive esse papel durante a Apollo 10, que foi um ensaio para o pouso, com todas as etapas, menos a alunissagem [descida na Lua].

Assim que Armstrong pousou, o sr. fez um comentário que revelou o nível de tensão na Nasa: "Vocês fizeram um monte de gente quase ficar azul aqui". Por quê?
Estávamos literalmente prendendo a respiração. O último comando que havíamos passado ao Eagle [módulo lunar da Apollo 11] era o de 30 segundos para o pouso. A próxima chamada seria "abortar", porque estávamos ficando sem combustível. E ficou tudo muito silencioso e tudo muito tenso. Ninguém queria cometer um erro. Havia um silêncio completo, parecia mesmo que estávamos prendendo a respiração.

E Neil Armstrong era famoso por sua frieza como piloto. Ele foi a escolha perfeita para comandar a missão?
Neil tinha muita experiência, mesmo antes de vir para a Nasa. Foi uma escolha excelente, mas na verdade não foi o único selecionado para o primeiro pouso.
Seria a primeira tentativa, mas tanto a Apollo 12 como a 13 teriam essa chance caso houvesse problemas. O fato de a Apollo 11 ter sido o primeiro pouso foi uma determinação operacional. Não tínhamos problemas mecânicos, estava tudo certo para a tentativa. Mas Neil provavelmente era mesmo o melhor de todos, tão frio sob pressão, tão inquebrantável.

E como foi acompanhar todos os problemas da Apollo 13, que quase levaram à perda da tripulação, como tripulante de uma missão futura?
Tínhamos mais duas missões antes da nossa, então a Nasa teve bastante tempo para analisar os problemas e corrigi-los. Sabíamos que o problema da Apollo 13 não se repetiria, mas poderíamos ter outros, diferentes. Mas tínhamos confiança na nave.

Finalmente, na Apollo 16, em 1972, o sr. teve a chance de estar em solo lunar. Muitos astronautas que foram à Lua dizem que ficaram tão ocupados que não tiveram muito tempo para refletir. Quais foram seus sentimentos na Lua?
Os sentimentos eram poderosos. Você fica maravilhado com a beleza da Lua, a sensação de pertencer a ela. Mas os pensamentos de fato eram ligados às operações.
Sabíamos o que precisávamos fazer. Não me lembro de ter parado para olhar para a Lua e ter reflexões espirituais ou filosóficas. Não cheguei a pensar sobre a origem da Lua ou do Universo. Eu estava pensando na espaçonave, nas tarefas que tínhamos a cumprir, no cronograma...

E como foi partir? Havia uma sensação de tristeza ou de alívio no ar?
Tristeza, não queríamos partir. Pedimos ao controle da missão que nos desse mais duas horas, mas o tempo havia se esgotado. Foi triste partir. Momento de desapontamento. Tivemos um jipe para essa missão, e ele revolucionou a exploração lunar.
Em vez de estarmos limitados por algumas centenas de metros, rodamos por 25 quilômetros na superfície lunar, atingindo velocidades máximas de 20 km/h. Foi muito empolgante dirigir o carro. Pudemos coletar muitas rochas e produzir muito mais imagens.

Depois de ter vivido toda a empolgação da era Apollo, como o sr. vê o atual estado do programa espacial americano?
Temos mais duas missões do ônibus espacial. Depois disso, acabou. O presidente Obama cancelou o projeto Constellation, que nos levaria de volta à Lua. Espero que as empresas consigam desenvolver alguma coisa, mas depois deste ano estaremos voando somente em espaçonaves russas. Fico desapontado com isso.


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