São Paulo, quinta-feira, 02 de agosto de 2007

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Eletrodo faz cérebro lesionado despertar

Dispositivo ligado a bateria devolveu fala e parte dos movimentos a homem que estava semiconsciente havia seis anos

Paciente que se recuperou com a técnica era vítima de espancamento nos EUA; cirurgia experimental será feita em mais onze pessoas

Clínica Cleveland
Raio-X mostra eletrodo implantado no cérebro do paciente


GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um homem que ficou seis anos em um estado de semiconsciência após sofrer uma lesão cerebral retomou alguns reflexos e voltou a comer e a falar depois de passar por uma cirurgia de estimulação elétrica. Pela primeira vez foram implantados eletrodos no cérebro de uma pessoa para "acordá-la" de um estado quase vegetativo. O resultado é experimental, mas, caso se mostre aplicável em mais situações, poderá mudar o tratamento padrão para alguns tipos de lesão cerebral.
O paciente, um norte-americano de 38 anos de nome mantido em segredo, havia sido espancado quase até a morte em 1999. Após algumas cirurgias na época, os médicos observaram que as chances de melhora eram limitadas. Ele não ficaria em estado vegetativo absoluto, mas perderia a autonomia sobre seu corpo e a capacidade de se comunicar.
As lesões no seu cérebro, apesar de graves, lhe conferiam um estado mínimo de consciência (veja as diferenças no quadro à dir.). Ele entendia instruções simples e às vezes era capaz de acenar com a cabeça em sinal afirmativo ou negativo, mas a família não conseguia decifrar exatamente o que ele estava sentindo. Sem poder mastigar, sua alimentação era feita por um tubo.
As poucas reações apresentadas pelo homem indicavam que havia um resíduo de capacidade funcional no seu cérebro. Uma intervenção terapêutica talvez pudesse incrementá-la. Uma equipe de neurologistas do Weill Cornell Medical College, de Nova York, então o selecionou para um experimento.

Tempo de acordar
Os pesquisadores, liderados por Nicholas Schiff, implantaram finos eletrodos no paciente e, ligando-os a um marcapasso, estimularam o tálamo -estrutura cerebral que processa sinais sensoriais e é relacionada à capacidade de reação. Os cientistas relatam a técnica na edição de hoje da revista "Nature".
Esse tipo de experimento é comum em pacientes com mal de Parkinson, mas em geral outras áreas do cérebro é que são estimuladas. Após o procedimento, o homem retomou a capacidade de mastigar, voltou a assistir filmes com a família, a beber diretamente do copo, a expressar dor e, "mais importante de tudo, consegue falar mamãe e papai", disse ontem a mãe do paciente em entrevista coletiva por telefone.
"[Antes da estimulação] ele mantinha os olhos fechados quase todo o tempo, mesmo se estivesse acordado. A primeira mudança que notamos foi que ele voltou a ficar com os olhos abertos, alerta", relatou o neuropsicólogo Joseph Giacino, que trabalhou na reabilitação do paciente "despertado".
"Antes, ele às vezes abria a boca e tentava falar alguma coisa, mas não havia som. Raramente os pais conseguiam entender por meio de leitura labial. Recentemente, ele foi capaz de falar as primeiras 16 palavras do juramento à bandeira [dos EUA]. É um comunicador confiável agora. Dá para acreditar nele", complementa.
Apesar dos avanços, no entanto, o homem ainda tem limitações motoras e não consegue andar. Ele é o primeiro de um grupo de 12 pacientes que será submetido ao tratamento.
Os cientistas são cuidadosos em dizer que não sabem se esses resultados serão os mesmos para outras pessoas nas mesmas condições. Mas este despertar pode mudar a forma de lidar com esses pacientes.
"Temos que fazer mais pesquisa, claro, mas eu acho que isso vai mudar a forma como tratamos ou mesmo olhamos para as pessoas com severos danos cerebrais", afirmou na entrevista Ali Rezai, diretor da Centro Clínico de Cleveland (EUA), onde foi realizada a cirurgia.


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