São Paulo, terça-feira, 02 de outubro de 2007

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Isolado, holandês põe descobertas em site

Demitido do Inpa e alegando perseguição, primatólogo expõe novas espécies na internet e deixa de lado revistas científicas

Marc van Roosmalen, preso em junho por peculato e solto em agosto, diz que descobriu 20 novos animais, inclusive um peixe-boi anão

Giovana Girardi - 07. ago.2007/Folha Imagem
Marc van Roosmalen (ao sair da prisão)


GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Isolado da comunidade científica, o primatólogo holandês naturalizado brasileiro Marc van Roosmalen resolveu subverter os procedimentos normais da ciência. Ele diz ter encontrado, nos últimos anos, várias novas espécies na Amazônia, mas em vez de submeter seus achados ao crivo de seus pares numa publicação científica, o que seria o normal, decidiu que vai expor seu trabalho em seu site na internet -e que o público seja o seu júri.
Conhecido como um dos maiores primatólogos do país, após ter descoberto seis espécies de macaco na região amazônica, o pesquisador foi demitido do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), em 2003, sob a acusação de envio de material genético para o exterior sem autorização.
Depois, ele acabou se complicando com a Justiça ao manter macacos em cativeiro em sua casa. Em junho deste ano, foi condenado a 15 anos e nove meses de prisão por crime ambiental e uso indevido de verba pública. Passou quase dois meses preso. Desde agosto, aguarda em liberdade enquanto seus advogados buscam a revisão da pena.
Logo após ser solto, Roosmalen disse à Folha que havia encontrado pelos menos 20 novas espécies de mamíferos entre os rios Tapajós e Madeira, mas que estava enfrentando resistência da comunidade. "O problema é que comecei a ser investigado e não pude mais realizar minhas pesquisas direito. Para descrever uma espécie nova, é preciso ter um local para depositar o material biológico dessa espécie, como pele ou ossos. Mas eu entrei em contato com todos os curadores de coleções zoológicas deste país e nenhum deles me respondeu", disse na ocasião.
Pelo menos uma das espécies será publicada em uma revista científica, a alemã "Bonner Zoologische Beiträge". Trata-se de um novo porco-do-mato, apelidado de caitetu-mundé (Pecari maximus).
As outras supostas novas espécies, no entanto, ele só tem divulgado em seu site (www.marcvanroosmalen.org).
"Sei que o site não pode ser considerado oficialmente uma publicação. Mas para mim é. E assim o público e os cientistas de todo o mundo podem ter acesso às novas espécies da Amazônia brasileira."
"Eu segui todo o procedimento de depósito do material e publicação nas descobertas anteriores, mas hoje para mim ainda está difícil fazer ciência. Eu espero que o site contribua para minha reabilitação e reintegração na comunidade científica no Brasil", explica.
O resultado, no entanto, pode ser o oposto. "É bem verdade que ele tem um mérito passado pelas espécies já descritas e acho que essa até é uma tentativa de reverter a imagem ruim provocada por sua prisão. Mas ele parou de seguir os preceitos da ciência e sem eles não temos como avaliar as coisas que ele está falando", alerta o primatólogo Claudio Pádua, da ONG IPÊ (Instituto de Pesquisas Ecológicas).
Na atualização mais recente que fez no site, Roosmalen publicou a descrição do que ele considera ser uma nova espécie de peixe-boi, batizado como Trichechus bernhardi. Segundo o artigo, assinado por ele e dois colegas holandeses, trata-se de um peixe-boi anão e seria a segunda espécie do mamífero a habitar a região amazônica.
Roosmalen conta que o animal observado no rio Arauazinho é um adulto de apenas 1,30 metro de comprimento e que, além do tamanho, apresenta outras diferenças com o peixe-boi adulto já bem conhecido na região, como uma preferência por águas mais claras e uma cor mais preta que o habitual.
Cientistas que estudam peixes-bois no Inpa acreditam que o exemplar apelidado de "pretinho" por caboclos é da mesma espécie tradicional na Amazônia, o Trichechus inunguis. "Todos os argumentos apresentados pelo dr. Roosmalen e co-autores não sustentam que seja uma espécie nova. Seria preciso um estudo bem mais aprofundado, utilizando o método científico, coisa que não foi feita até agora, para poder dizer isso", afirma Fernando Rosas, do Inpa.
Roosmalen não parece preocupado. Diz que ainda vai submeter as descobertas para revistas científicas, mas sem muita pressa. "Só assim a comunidade vai aceitá-las definitivamente, mas pelo menos com o site eu já poderia reivindicar as descobertas para evitar biopirataria dos meus colegas."


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