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Aids surgiu há um século, diz estudo
Análise genética das amostras mais antigas do HIV, de 1959 e 1960, sugere que vírus começou a infectar humanos já em 1900
Para epidemiologista dos
EUA, novo estudo pode
ajudar a detectar os genes
imunes a mutação e tornar
o HIV mais fácil de atacar
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
O vírus da Aids começou a se
espalhar entre seres humanos
há bem mais tempo do que se
imaginava até agora: em torno
de um século atrás ele deixou as
florestas da África central e começou a circular nas cidades
que os colonizadores europeus
construíam na região.
A nova estimativa foi possível graças à descoberta de
exemplares do vírus preservados em uma amostra de 1960 de
tecido humano preservada em
um hospital de Kinshasa, capital da República Democrática
do Congo. É a segunda amostra
mais antiga do vírus -a outra,
datada de 1959 e da mesma cidade, foi descrita em 1995.
A comparação das seqüências do material genético das
duas permitiu calcular que um
ancestral comum dos dois vírus
já existia em torno de 1900.
As seqüências de DNA das
amostras antigas, batizadas
ZR59 e DRC60, diferem em
12%, o que indicaria um ancestral comum das duas meio século antes. O HIV evolui 1 milhão de vezes mais rápido que
um animal, o que o torna um alvo difícil para a medicina.
O estudo foi feito por uma
equipe de 12 cientistas, liderados por Michael Worobey, da
Universidade do Arizona em
Tucson, EUA, e publicado na
edição de hoje da revista científica britânica "Nature".
"A considerável distância genética entre DRC60 e ZR59 demonstra diretamente que a diversificação do HIV-1 no centro-oeste da África ocorreu
bem antes da pandemia reconhecia de Aids", escreveram
Worobey e colegas.
O HIV-1 possui três linhagens básicas. Uma delas, conhecida como grupo M, é a causa de mais de 95% dos casos de
Aids em todo o mundo, lembra
Paul Sharp, da Universidade de
Edimburgo, Reino Unido. Ele
comenta a descoberta na mesma edição da revista.
"Conhecer a seqüência original, ancestral, do HIV-1 do grupo M e como ele evoluiu poderá
ajudar os cientistas a desenvolver drogas e vacinas. Se você
souber quais partes do genoma
original do HIV-1 grupo M foram conservadas ao longo do
tempo, esses genes podem codificar proteínas que são críticas à sobrevivência do HIV e
improváveis de mudar muito
no futuro", disse à Folha a epidemiologista Rosemary
McKaig, do Instituto Nacional
de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, que co-patrocinou a nova pesquisa.
Já Sharp é mais cético. "Conhecer a evolução do HIV-1
provê uma útil informação de
fundo, mas pode não ter um
impacto direto no desenvolvimento de drogas ou vacinas."
"O estudo é muito importante porque mostra a evolução do
vírus na circulação críptica
[oculta] entre humanos", diz o
brasileiro Paolo Zanotto, especialista em evolução de vírus do
Instituto de Ciências Biomédicas das USP. Ele lembra que o
agente causador da doença
precisa de uma fase de adaptação para passar do chimpanzé
ao homem, quando ele passa a
"testar" a malha de transmissão humana -e, eventualmente, criar uma epidemia.
No caso africano não há provas de como se deu a transmissão em maior escala no ser humano, mas os autores do estudo sugerem que isso tenha
acontecido graças à urbanização. O vírus tenderia a se espalhar com o adensamento da população e a intensificação de
comportamentos de risco.
"O relevante para nós no
Brasil hoje é que o estudo mostra que um vírus pode estar circulando, apesar de ainda não
estar causando uma epidemia",
diz Zanotto. O melhor exemplo, diz, é o subtipo 4 do vírus
da dengue. Para ele, faz mais
sentido agir antes nesses casos
com medidas profiláticas do
que "correr a reboque" da epidemia depois que ela começar.
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