São Paulo, terça-feira, 02 de novembro de 2004

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AMAZÔNIA

ONGs dizem que empréstimo aprovado pelo banco a empresa de MT é precedente para financiamento à devastação

Presidente do Bird pede auditoria sobre soja

CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

O presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, encaminhou ao escritório de ombudsman da IFC (Corporação Internacional de Finanças), braço do banco responsável por financiar o setor privado, um pedido de auditoria sobre um empréstimo de US$ 30 milhões aprovado em setembro pela IFC para a produção de soja no leste de Mato Grosso.
O financiamento será concedido ao Grupo André Maggi, de propriedade da família do governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS), maior produtor de soja do mundo.
Ele será usado para capitalizar fornecedores da Maggi na região de Querência, com o objetivo de aumentar em 250 mil toneladas anuais a produção de soja.
O empréstimo é criticado por ambientalistas. A região de Querência abriga o ecossistema mais frágil da Amazônia, as chamadas matas de transição, e está ao mesmo tempo numa nova fronteira agrícola. O Grupo de Trabalho sobre Florestas, que reúne 19 entidades ligadas ao Fórum das ONGs, pediu ao banco que enquadrasse o projeto da Maggi na chamada categoria A (alto risco ambiental), que exige uma avaliação rigorosa de potenciais impactos ao ambiente.
A IFC e a Maggi, no entanto, classificaram o projeto na categoria B (impacto moderado), e nesses termos o empréstimo foi aprovado pelo Conselho do Banco Mundial, por unanimidade.
Embora a soja naquela região aproveite principalmente áreas que já foram desmatadas para a pecuária, existe o temor de que, com o empréstimo à Maggi, a IFC abra um precedente para financiar atividades destrutivas -como a própria criação de gado- na Amazônia, num retorno às práticas ambientalmente incorretas que marcaram o relacionamento do Banco Mundial com a floresta na década de 1980.

Desmoralizado
Wolfensohn, que se disse "preocupado" com a introdução da soja na Amazônia, havia prometido às ONGs avaliar a questão juntamente à IFC. Segundo Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, a aprovação do empréstimo na categoria B deixava o presidente do Bird "desmoralizado".
Em carta enviada aos ambientalistas ontem, Wolfensohn afirmou ter encaminhado o caso ao CAO (Escritório de Aconselhamento e Cumprimento/Ombudsman) da IFC. O CAO funciona como um órgão independente de arbitragem, encarregado de ouvir queixas de comunidades ou empresas afetadas por um determinado projeto financiado pela IFC e dar pareceres ao presidente do Bird (Banco Mundial).
"Este caso é incomum porque o pedido foi encaminhado pelo próprio presidente", afirma Smeraldi. Na carta, Wolfensohn diz que "uma auditoria dará uma visão independente da questão" e que seus resultados serão tornados públicos pela IFC.
"Tenho estado envolvido há muitos anos com as questões complexas que envolvem a proteção da Amazônia. A dinâmica em torno da demanda mundial crescente por soja e da emergência do Brasil como um grande produtor acrescentam camadas de complexidade, e espero que o Banco Mundial possa continuar ajudando os atores principais a discutir e a agir juntos para administrar melhor esse recurso global único", afirmou Wolfensohn.
"Aguardo os resultados do trabalho do CAO", continuou o presidente do Bird em sua carta.
"Entendemos que ele está aceitando os resultados da auditoria", disse Smeraldi à Folha. Dependendo do resultado, o Conselho do Banco Mundial pode reabrir a discussão sobre a classificação do empréstimo.

Outro lado
Procurada pela Folha, a assessoria de comunicação da IFC não havia respondido até o fechamento desta edição. O órgão considera, no entanto, que o empréstimo não envolve diretamente expansão na área plantada com soja, portanto, não requer abertura de áreas de floresta -sendo adequada a classificação na categoria B.
O diretor ambiental do Grupo Maggi, Ocimar Villela, afirmou que a produção de soja na região leste de Mato Grosso não é uma atividade de alto risco ambiental. A empresa já havia recebido um empréstimo da IFC. "Desenvolvemos uma série de ferramentas para fazer o acompanhamento ambiental dos [produtores] pré-financiados", disse Villela.


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