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Dino "saci" preenche lacuna na evolução
Fóssil de uma perna só encontrado no RS está entre os mais antigos do mundo e dá pistas sobre o surgimento do grupo
Animal de 220 milhões de anos é o primeiro de seu tipo a ser encontrado no
Brasil e indica que dispersão do grupo foi muito rápida
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Por muito pouco o paleontólogo Jorge Ferigolo não passou
batido por um pequeno osso
que despontava de um afloramento de rochas em Agudo, Rio
Grande do Sul, no ano 2000.
Até onde ele sabia, não havia
fósseis naquele local. "Começamos a escavar e apareceu uma
mandíbula. E depois o resto",
recorda-se. Seis anos depois, o
achado improvável é oficialmente descrito como o mais
novo dinossauro brasileiro.
O animal, batizado Sacisaurus agudoensis, tem 220 milhões de anos e está entre os dinos mais antigos do mundo.
Sua descoberta completa uma
lacuna na história dos maiores
animais que já andaram sobre a
terra -e pode ajudar a esclarecer o mistério de sua origem.
O Sacisaurus (literalmente,
"lagarto saci") ganhou esse nome por uma brincadeira. Ossos
desarticulados de vários indivíduos foram achados em Agudo,
mas com um problema. "Temos 19 fêmures direitos e nenhum esquerdo", diz Ferigolo.
O porquê disso é um mistério.
Ele pertence ao grupo dos
ornitísquios, uma das duas linhagens principais dos dinossauros.
É o mesmo grupo que produziu
bestas gigantes comedoras de
plantas, como o chifrudo Triceratops e o estegossauro, famoso
pelas placas de osso nas costas.
O animal gaúcho, no entanto,
é bem menor que seus sucessores ilustres: tinha apenas 1,5
metro de comprimento. E mais
primitivo também.
Por "primitivo" entenda-se
tanto "antigo" quanto "esquisito". A anatomia do Sacisaurus é
diferente da de qualquer outro
ornitísquio. Tanto que o artigo
científico que o descreve, assinado por Ferigolo e por Max
Langer, da USP de Ribeirão
Preto, foi rejeitado duas vezes
antes de ser aceito para publicação, pelo obscuro periódico
"Historical Biology".
É justamente essa esquisitice que o torna tão interessante
para a dupla. Eles argumentam
que o animal traz um registro
precioso da origem do chamado osso pré-dentário, o "bico"
curvo e sem dentes característico de todos os ornitísquios.
No fóssil gaúcho, o pré-dentário é duplo, formado pela fusão de duas projeções ósseas.
Em animais como o Triceratops ele é um osso único. Os
brasileiros dizem que se trata
de uma transição: por ser um
dos ornitísquios mais antigos,
ele estaria no meio do caminho
da formação do pré-dentário.
Nem todo mundo concorda.
Isso foi um dos fatores que causaram a rejeição ao artigo original pelas revistas "Proceedings
of the Royal Society B" e "Journal of Vertebrate Paleontology", a mais importante da
área. "Se o mesmo artigo viesse
do Paul [Sereno, paleontólogo-celebridade americano], teria
sido aceito", reclama Langer.
"O trabalho é boa ciência",
disse à Folha Farish Jenkins,
da Universidade Harvard
(EUA). "Esse animal é uma bonita transição para uma característica que aparece depois em
todos os ornitísquios", disse.
O estudo sobre o "saci" gaúcho também esfria a fervura
dos que se apressam em apontar uma origem sul-americana
para os dinossauros.
Até agora, vários dos dinos
mais antigos do mundo haviam
sido achados no Rio Grande do
Sul e norte da Argentina, o que
levou alguns a propor essa região como berço dos dinos.
Só que entre esses dinos-avós havia apenas um provável
ornitísquio, o pisanossauro argentino -cujos fósseis são notoriamente incompletos. A
descoberta de mais um ornitísquio na região, em tese, reforçaria essa idéia. Mas comparações feitas por Langer e apresentadas no novo estudo acrescentam ao time dos ornitísquios um outro animal, o Silesaurus, descoberto na Polônia e
ainda mais antigo que o saci.
"O pisanossauro e o Silesaurus seriam os ornitísquios mais
basais [primitivos]", diz Langer. "Mas eles estão muito separados geograficamente. Isso
vai contra a idéia de um centro
de irradiação sul-americano.
Na verdade, os dinossauros se
espalharam muito rapidamente pelo mundo."
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