São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2007

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+ Marcelo Leite

Bali vai fracassar


Não há líderes à altura do desafio da mudança do clima global


Começa amanhã em Bali (Indonésia) a Conferência de Mudança de Clima das Nações Unidas, que reúne 180 países e tem tudo para dar em nada. É ínfima a chance de que se comece a esboçar, ali, um acordo à altura do desafio do aquecimento global. E desta vez a culpa não será (só) de George W. Bush.
Bush não conta mais (seu país, sim). Está a menos de um ano das eleições em que será escolhido seu substituto, talvez alguém menos alérgico a previsões científicas. Não terá mais de seu lado o conservador John Howard, derrotado na Austrália pelo trabalhista Kevin Rudd, que prometeu guinar a política do país, posto de joelhos após uma seca de três anos, e ratificar o Protocolo de Kyoto.
Ocorre que o problema não é mais Kyoto. O busílis está no pós-Kyoto. Vale dizer, o que se pode fazer para evitar que a temperatura média global cresça mais que 2C. É muita areia: cortar pelo menos 50% das emissões de gás carbônico (CO2) nas próximas quatro décadas.
Para comparação, cabe lembrar que Kyoto, tratado de 1997, previa cortar 5,2% apenas de países industrializados entre 2008 e 2012, tomando por base os níveis de 1990. Na prática, só dois países de peso fizeram a lição de casa até 2005, Alemanha (- 19%) e Reino Unido (- 15%).
A meta de Kyoto deverá ser atingida, pois em 2005 já alcançava 4,6% de redução. Mas só por causa da hecatombe industrial no Leste Europeu, após a queda do Muro de Berlim, que "economizou" lá 36% das emissões de gases do efeito estufa.
Não há liderança à vista para tirar o coelho pós-Kyoto da cartola. O petróleo beirando US$ 100 por barril ajuda, pois torna energias renováveis como solar e eólica um pouco menos caras. O Nobel da Paz para Albert Gore e o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática) não atrapalha, mas serve mais para atiçar o oportunismo publicitário do que para mudança real de atitudes.
Olhe em volta. Até os bancos agora são verdes. O objeto de consumo mais cobiçado por quem manda e decide, a julgar pela quantidade de anúncios de jornais e revistas, são jipes SUV, beberrões de gasolina ou diesel (eles não são flex) e vomitadores de CO2.
ABS, tração nas quatro rodas, painel de jacarandá, bancos de pelica, ar-condicionado digital e MP3. Tudo que uma pessoa precisa para ficar no trânsito, despejando esterco gasoso no ar. OK, o combustível é pago com cartão "neutralizador" de carbono.
Algo similar vai pelo mundo. Cada vez há mais gente que consome e pensa preocupada com a mudança climática. Só que o consumo de energia e carbono da economia global vai aumentar, rápido, e não diminuir como deveria. A China inaugura uma usina termelétrica a carvão por semana. Até o Brasil planeja, oficialmente, sujar sua matriz energética, socorrendo os apagões de FHC e Dilma com termelétricas a combustíveis fósseis. Se não faltar gás natural, vai óleo e carvão mesmo. Será difícil pôr a culpa no raio de Bauru, ou em Marina Silva, agora que as hidrelétricas do Madeira vão sair e as taxas de desmatamento vinham caindo.
Para dar certo, Bali teria de consagrar o corte de 50% como meta, o que na melhor das hipóteses é improvável. Seria preciso subverter a receita de Kyoto e caminhar na direção de conter emissões com mecanismos mais drásticos (como impostos sobre carbono emitido) do que se viu até agora. A chance de as duas coisas acontecerem em Bali, é zero. Até 2009, como se espera, quase zero. A atmosfera terá de esquentar muito mais para que surja um pouco de luz de tanto calor.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Clones Demais" e "O Resgate das Cobaias", da série de ficção infanto-juvenil Ciência em Dia (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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