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Pedreira explora fósseis em São Paulo
Restos de animais de 280 milhões de anos preservados em rocha calcária são vendidos ilegalmente para fora do Brasil
Carregamento com oito
fósseis de réptil marinho
foi apreendido no fim de
2006 em aeroporto de Paris
e avaliado em cem mil euros
Marlene Bergamo/Folha Imagem
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Esqueleto fossilizado de mesossauro em bloco de rocha da formação Irati, na região sul de SP |
CLAUDIO ANGELO
ENVIADO ESPECIAL A ITAPETININGA (SP)
Em meados de novembro, a
alfândega francesa apreendeu
no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, um carregamento
de oito fósseis de mesossauro,
um réptil marinho de 250 milhões de anos, extraídos ilegalmente do Brasil. As peças estavam em um carregamento de
bíblias, e foram avaliadas em
100 mil (cerca de R$ 295 mil).
Os fósseis provavelmente
saíram de uma pedreira na região de Itapetininga, no sudoeste paulista. Ali, trabalhadores
rurais são contratados para
passar o dia quebrando blocos
de calcário em busca dos vestígios desses seres. O pagamento
varia: alguns recebem menos de
um salário mínimo por mês;
outros ganham de R$ 30 a R$ 50
por "pedra" (fóssil) extraída.
Essa diferença de quase mil
vezes nos ganhos nas duas pontas da cadeia é só um dos problemas do tráfico de fósseis.
Num momento em que o Ministério Público e o DNPM (Departamento Nacional da Produção Mineral, órgão ligado ao
Ministério das Minas e Energia) se unem para elaborar uma
legislação mais rigorosa contra
esse comércio, a extração clandestina e a exportação de restos
de plantas e animais pré-históricos segue a toda no país.
O problema é mais conhecido
na bacia do Araripe, no Ceará,
uma das maiores e mais importantes jazidas fossilíferas do
mundo. Mas também existe no
Estado de São Paulo, onde, segundo a Folha verificou, algumas pedreiras deixam de comercializar o calcário, atividade para a qual obtiveram licença, para "minerar" os fósseis
que nele se encontram.
Numa pedreira visitada pela
reportagem na região de Itapetininga, por exemplo, há duas
áreas de extração recém-abertas com essa finalidade. Delas
saem fósseis de planta, peixe e,
principalmente, os "bichos"
(mesossauros adultos) e as "lagartixas" (mesossauros filhotes, ainda mais raros).
Ambas as áreas foram abertas para exploração por Antônio Márcio Gusmão, que arrenda pedreiras para extrair fósseis pelo menos desde a década
de 1980. Ele é irmão da artesã
Urânia Gusmão Corradini,
apontada pelo DNPM como
chefe do esquema de tráfico de
fósseis no Estado de São Paulo.
A artesã também tem ligações com a comunidade científica -tem até um inseto batizado com seu nome, o Cratogenites corradinae. Diz ter vendido
material a pelo menos dois pesquisadores de renome mundial: Diógenes Campos, chefe
do Museu de Ciências da Terra
do DNPM, e Alexander Kellner, do Museu Nacional. Ambos negam a compra.
Ela responde a pelo menos
dois processos na Justiça Federal. É acusada de se apropriar
ilegalmente de bens da União
(os fósseis, como tudo que está
no subsolo, são patrimônio federal), e negocia com o Ministério Público Federal um termo de ajustamento de conduta,
pelo qual receberia uma pena
alternativa em troca da suspensão do comércio.
Corradini disse à Folha que
está "parada" e há mais de seis
meses não vende fósseis. Diz
que não tem contato com o irmão "há quatro meses" e que
nunca recebeu fósseis dele para mandar ao exterior.
Em uma pedreira arrendada
por Gusmão e visitada pela reportagem, mais de uma dezena
de fósseis de mesossauro se encontravam já separados, em
blocos, prontos para o transporte. Ferramentas como marretas, pás e talhadeiras estavam espalhadas pela área, a indicar trabalho recente.
Famílias
A pedreira é a mesma de onde saíram duas lajes de calcário
contendo "famílias" de mesossauros do gênero Stereosternum. No dizer dos trabalhadores das pedreiras, "famílias" são
placas nas quais vários répteis
morreram juntos. São peças raríssimas -no Brasil inteiro só
são conhecidas essas duas-, e
ambas foram vendidas por Corradini no passado.
Um dos trabalhadores contratados por Gusmão afirma ter
extraído, em um mês de trabalho, "seis bichos e dez lagartixas". Em sua casa, ele mantém
uma espécie de caderneta de
poupança petrificada: três fósseis espetaculares de mesossauro, que está deixando "para
vender depois". Um deles, diz,
gostaria de trocar por uma antena parabólica. Valor: R$ 400.
Se vendesse seus fósseis na
internet, provavelmente ganharia mais dinheiro. Fósseis
de mesossauro da formação
Irati, como se chama esse conjunto de rochas, podem ser
achados à venda no E-bay e em
sites especializados em fósseis
(esse comércio é legalizado em
várias partes do mundo, como
nos EUA) por valores que vão
de US$ 300 (R$ 600) a US$
2.000 (R$ 4.000).
Prejuízo
O tráfico de fósseis traz prejuízos à comunidade científica
nacional, que muitas vezes precisa buscar espécimes raros da
fauna pré-histórica brasileira
para estudar em museus e coleções privadas no exterior. Ou,
pior, pagar o mico de ver cientistas estrangeiros descrevendo com prioridade fósseis brasileiros aos quais os próprios
brasileiros não tiveram acesso,
porque não puderam pagar.
"Não sei se essa nova legislação será eficaz contra esse comércio. É um problema que
existia, existe e continuará
existindo", diz o paleontólogo
Reinaldo José Bertini, da
Unesp de Rio Claro.
Fósseis comuns como os mesossauros, no entanto, já não
representam novidade nenhuma para a ciência. Mesmo assim, diz Bertini, seu comércio
precisa seguir proibido.
"Não é porque existe às pencas que deve sair do país. Isso é
um acervo brasileiro, que nem
todas as universidades têm."
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