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O relatório
Aquecimento é "inequívoco", diz painel
O mais
aguardado
prognóstico
da saúde do
clima no
planeta
encerra de
vez o debate
sobre se os
humanos
têm ou não
culpa pelo
efeito estufa
DO ENVIADO A PARIS
A maratona do IPCC para fechar o documento "Mudança
Climática 2007: A Base da
Ciência Física" terminou 40
minutos depois da meia-noite
de ontem em Paris (21h40 de
anteontem em Brasília). Seus
termos para o grau de certeza
sobre o aquecimento global e a
responsabilidade humana no
fenômeno são fortes.
"Inequívoco" e "muito provável" foram os qualificativos
mais usados. "Muito provável",
no caso, se refere à segurança
de mais de 90% de que o clima
não mudaria como tem mudado não fosse a humanidade.
A climatologista norte-americana Susan Solomon, coordenadora do texto final que contém 21 páginas, pronunciou
duas vezes seguidas a palavra
"inequívoco" quando se referia
ao aquecimento. Foi um raro
momento em que acrescentou
ênfase à sua exposição relativa
à torrente de dados do sumário
executivo do AR4, sigla pela
qual é conhecido o quarto relatório do IPCC.
Nessas negociações multilaterais, a escolha das palavras
tem muito peso. No relatório
anterior, de 2001, o IPCC dizia
que a contribuição humana era
apenas "provável". No código
climático-político, isso quer dizer "mais de 66% de certeza".
Já se sabia que o documento
aprovado ontem iria vitaminar
o vocabulário sobre certeza,
pondo mais pressão sobre governos para que enfrentem o
problema. Por isso o relatório
era tão aguardado. Mas ele
também alterou significativamente as projeções de 2001.
"O aquecimento do sistema
do clima é inequívoco e agora se
torna evidente, a partir de observações de acréscimos nas
temperaturas globais médias
do ar e do oceano, derretimento disseminado de neve e gelo e
elevação do nível médio global
do mar", afirma o quarto relatório do IPCC.
O físico brasileiro Paulo Artaxo, da USP, que participou
dos trabalhos em Paris, discorda da qualificação de "catástrofe" para descrever as projeções.
"Não é o fim do mundo, nem o
caso de ser alarmista", afirmou.
Artaxo defende, porém, que
se passe à ação, agora que não
há mais dúvidas sobre a responsabilidade humana: "Como
o mundo vai lidar com isso num
espaço de tempo curto, até
2020 ou 2030?"
Melhores dados
O que reforça a segurança
dos especialistas são centenas
de dados medidos por instrumentos que não estavam disponíveis na época do relatório de
2001. Os modelos climáticos
-programas de computador
que simulam o clima da Terra-
também estão mais precisos e
poderosos. Eles são capazes de
"enxergar" com mais detalhe os
processos que ocorrem na atmosfera e nos oceanos.
O aumento de temperatura
projetado até o final do século é
de aproximadamente 3C, como valor mais provável. Não
havia a indicação de números
exatos como esse no documento de 2001, só uma faixa de valores (de 1,4C a 5,8C).
Agora, o IPCC indica duas
faixas de valores. Uma é a série
de números redondos fixados
("melhores estimativas") para
cada cenário das simulações,
que vai de 1,8C no mais otimista até 4C no menos otimista. A
outra é um intervalo de aquecimento com chance menor de
acontecer, mas não descartado
(de 1,1C até 6,4C).
No caso da elevação prevista
do nível dos mares até 2100, a
diminuição da incerteza levou
a um resultado contra-intuitivo. De 0,9 cm a 88 cm em 2001,
o intervalo foi "rebaixado" para
18 cm a 59 cm. Parece menos,
porque há uma tendência a reparar somente no dado mais alto, mas tanto 18 cm quanto 59
cm são valores muito altos -e,
agora, muito mais prováveis.
"O ponto de interrogação foi
removido", afirmou Achim
Steiner, diretor-executivo do
Pnuma (Programa de Meio
Ambiente das Nações Unidas).
Para Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, o documento
aponta claramente "o custo da
inação". Ele se referia aos dois
novos termos que passam a dominar o debate internacional
sobre o clima: mitigação (como
diminuir emissões de CO2 ou
retirá-lo da atmosfera) e adaptação (proteger as populações
dos efeitos inevitáveis).
É no campo da mitigação que
se dão os embates políticos.
Países ricos, os que mais contribuem para o aquecimento
global, querem que nações em
desenvolvimento também
aceitem compromissos de redução. Seria para o segundo período do Protocolo de Kyoto,
depois de 2012 (os resultados
do primeiro são em geral considerados um fracasso).
O governo brasileiro bateu
pé na questão do desmatamento, ponto sensível para o Brasil
nas negociações. José Domingos Miguez, do Ministério da
Ciência e Tecnologia, insistiu
que se cravasse no texto a estimativa de que ele lança 1,6 bilhão de toneladas anuais de
carbono na atmosfera -15%
das emissões globais.
A objeção impediu que ficasse só a faixa de previsão, de 0,5
bilhão a 2,7 bilhões de toneladas. Nesse caso, haveria a chance de que o segundo valor -que
corresponde a 25% das emissões mundiais- chamasse
mais a atenção.
(MARCELO LEITE)
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