São Paulo, sábado, 03 de fevereiro de 2007

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O relatório

Aquecimento é "inequívoco", diz painel

O mais aguardado prognóstico da saúde do clima no planeta encerra de vez o debate sobre se os humanos têm ou não culpa pelo efeito estufa

DO ENVIADO A PARIS

A maratona do IPCC para fechar o documento "Mudança Climática 2007: A Base da Ciência Física" terminou 40 minutos depois da meia-noite de ontem em Paris (21h40 de anteontem em Brasília). Seus termos para o grau de certeza sobre o aquecimento global e a responsabilidade humana no fenômeno são fortes.
"Inequívoco" e "muito provável" foram os qualificativos mais usados. "Muito provável", no caso, se refere à segurança de mais de 90% de que o clima não mudaria como tem mudado não fosse a humanidade.
A climatologista norte-americana Susan Solomon, coordenadora do texto final que contém 21 páginas, pronunciou duas vezes seguidas a palavra "inequívoco" quando se referia ao aquecimento. Foi um raro momento em que acrescentou ênfase à sua exposição relativa à torrente de dados do sumário executivo do AR4, sigla pela qual é conhecido o quarto relatório do IPCC.
Nessas negociações multilaterais, a escolha das palavras tem muito peso. No relatório anterior, de 2001, o IPCC dizia que a contribuição humana era apenas "provável". No código climático-político, isso quer dizer "mais de 66% de certeza".
Já se sabia que o documento aprovado ontem iria vitaminar o vocabulário sobre certeza, pondo mais pressão sobre governos para que enfrentem o problema. Por isso o relatório era tão aguardado. Mas ele também alterou significativamente as projeções de 2001.
"O aquecimento do sistema do clima é inequívoco e agora se torna evidente, a partir de observações de acréscimos nas temperaturas globais médias do ar e do oceano, derretimento disseminado de neve e gelo e elevação do nível médio global do mar", afirma o quarto relatório do IPCC.
O físico brasileiro Paulo Artaxo, da USP, que participou dos trabalhos em Paris, discorda da qualificação de "catástrofe" para descrever as projeções. "Não é o fim do mundo, nem o caso de ser alarmista", afirmou.
Artaxo defende, porém, que se passe à ação, agora que não há mais dúvidas sobre a responsabilidade humana: "Como o mundo vai lidar com isso num espaço de tempo curto, até 2020 ou 2030?"

Melhores dados
O que reforça a segurança dos especialistas são centenas de dados medidos por instrumentos que não estavam disponíveis na época do relatório de 2001. Os modelos climáticos -programas de computador que simulam o clima da Terra- também estão mais precisos e poderosos. Eles são capazes de "enxergar" com mais detalhe os processos que ocorrem na atmosfera e nos oceanos.
O aumento de temperatura projetado até o final do século é de aproximadamente 3C, como valor mais provável. Não havia a indicação de números exatos como esse no documento de 2001, só uma faixa de valores (de 1,4C a 5,8C).
Agora, o IPCC indica duas faixas de valores. Uma é a série de números redondos fixados ("melhores estimativas") para cada cenário das simulações, que vai de 1,8C no mais otimista até 4C no menos otimista. A outra é um intervalo de aquecimento com chance menor de acontecer, mas não descartado (de 1,1C até 6,4C).
No caso da elevação prevista do nível dos mares até 2100, a diminuição da incerteza levou a um resultado contra-intuitivo. De 0,9 cm a 88 cm em 2001, o intervalo foi "rebaixado" para 18 cm a 59 cm. Parece menos, porque há uma tendência a reparar somente no dado mais alto, mas tanto 18 cm quanto 59 cm são valores muito altos -e, agora, muito mais prováveis.
"O ponto de interrogação foi removido", afirmou Achim Steiner, diretor-executivo do Pnuma (Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas).
Para Rajendra Pachauri, presidente do IPCC, o documento aponta claramente "o custo da inação". Ele se referia aos dois novos termos que passam a dominar o debate internacional sobre o clima: mitigação (como diminuir emissões de CO2 ou retirá-lo da atmosfera) e adaptação (proteger as populações dos efeitos inevitáveis).
É no campo da mitigação que se dão os embates políticos. Países ricos, os que mais contribuem para o aquecimento global, querem que nações em desenvolvimento também aceitem compromissos de redução. Seria para o segundo período do Protocolo de Kyoto, depois de 2012 (os resultados do primeiro são em geral considerados um fracasso).
O governo brasileiro bateu pé na questão do desmatamento, ponto sensível para o Brasil nas negociações. José Domingos Miguez, do Ministério da Ciência e Tecnologia, insistiu que se cravasse no texto a estimativa de que ele lança 1,6 bilhão de toneladas anuais de carbono na atmosfera -15% das emissões globais.
A objeção impediu que ficasse só a faixa de previsão, de 0,5 bilhão a 2,7 bilhões de toneladas. Nesse caso, haveria a chance de que o segundo valor -que corresponde a 25% das emissões mundiais- chamasse mais a atenção. (MARCELO LEITE)


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