|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Adaptação
A crise climática pega Brasil desprevenido
País não tem
um plano de
adaptação à
nova situação
climática, que
já faz seringal
substituir
café em SP
e trará perdas
às lavouras
de soja
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
A São Paulo da garoa e do café
não existe mais. As geadas paulistas, com o passar dos anos,
viraram fenômenos esparsos.
No noroeste do Estado, o café
está deixando de ser plantado
devido ao calor em excesso.
Com esse clima, quem ganha
espaço são as seringueiras, nativas da quente Amazônia.
Para quem acha que o impacto das mudanças climáticas em
São Paulo e no Brasil virá apenas daqui muitas décadas, os
cálculos do pesquisador Hilton
Pinto, do Cepagri (Centro de
Pesquisas Meteorológicas e
Climáticas Aplicadas a Agricultura), da Unicamp, são um verdadeiro balde de água fria
-quer dizer, quente, no caso.
O governo deveria se interessar por esses números e por outros, que vêm sendo produzidos pelos cientistas. Mas o Brasil não tem um plano de adaptação para a mudança climática.
"As políticas são insuficientes",
admite Luiz Pinguelli Rosa,
professor da Coppe (Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e Secretário Executivo
do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, órgão cujo
chefe é o presidente Lula.
Para o pesquisador, falta uma
cultura que envolva as mudanças do clima no dia-a-dia das cidades e do país. "O tema das
adaptações aos impactos é onde estamos pior. É preciso colocar essas previsões até no âmbito das enchentes que ocorrem
nas cidades", afirma Pinguelli.
Número mágico
Para tentar criar essa cultura
é que Pinto, da Unicamp, especialista em ligar dados do clima
com a agricultura, prefere olhar
para o passado e o presente.
"No Estado de São Paulo, nos
últimos cem anos, as médias
das temperaturas mínimas subiram de 2,5 C a 3 C. Ou seja,
as madrugadas ficaram mais
quentes. Isso é bem perceptível
pelos dados que temos", diz.
Segundo Pinto, a migração
das culturas na agricultura
paulista é uma realidade. Na cálida São José do Rio Preto, o café está abrindo passagem para
as seringueiras, que prosperam
sob o clima amazônico.
"No caso do café, o 34 é um
número mágico. Na época do
florescimento, não podem
ocorrer mais do que cinco dias
com temperaturas superiores
aos 34 C. Se isso ocorre, a produção é perdida. As flores e os
frutos não são produzidos."
São Paulo da borracha
Se antes o noroeste paulista
estava na fronteira da cultura
do café, hoje, tudo mudou.
"Em 1990, havia 2,3 mil hectares de seringueiras plantadas
naquela região. Em 2005, a
área dessa cultura já era de 20
mil hectares. Essa cultura terá
um bom futuro", diz Pinto.
De seu computador da Unicamp (que tem como fundo de
tela um pôr-do-sol onde o astro
está trocado pelo símbolo do
Corinthians), Pinto tira dados
que mostram o fenômeno em
outros pontos do Estado. Os seringais, entre 1990 e 2005, pularam dos 3,7 mil hectares para
37 mil hectares.
"Não tem escapatória. O aumento de 3 C nas temperaturas máximas do Brasil, apenas
no caso do café, significa um
prejuízo de R$ 2 bilhões. No total, para todos os grãos, a perda
do potencial de plantio no país
será de 25%", afirma Pinto.
"No prazo entre 20 anos e 45
anos teremos um cenário agrícola bastante diferente."
O efeito passado e presente
das mudanças climáticas no
Brasil, percebidos principalmente no campo, reforça uma
perspectiva sinistra.
O modelo feito pela Unicamp, em parceria com a Embrapa Informática Agropecuária, mostra que as perdas econômicas, para a maior parte
dos agricultores, aumentarão.
Em termos nacionais, o café
continua um exemplo emblemático. "Caso a temperatura
aumente em média 5,8 C, vamos perder 92% da área útil de
plantio em São Paulo, Minas
Gerais e Paraná", explica Pinto.
Os cenários futuros construídos pelos pesquisadores consideram aumentos de temperatura da ordem de 1 C, 3 C e 5
C. E um aumento nos níveis de
chuva em 5%, 10% e 15%. O índice de acerto das previsões é
de 80%, que também considera
os tipos de solo para o plantio.
Depois do café, que tende a
migrar para o Rio Grande do
Sul, Uruguai e Argentina, a soja
também será impactada. Ela
poderá perder até 64% de área,
com um aumento de 5,8 C.
"A cultura da soja depende
muito de água. Por isso, no Rio
Grande do Sul, por causa da
maior quantidade de secas, ela
deverá desaparecer por completo", profetiza Pinto.
Texto Anterior: Opinião: O nascimento do Homo planetaris Próximo Texto: Infra-estrutura urbana e saúde pública deverão ser repensadas Índice
|