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+ Marcelo Leite
Revolta pela vacina
Para combater a febre amarela, Oswaldo
Cruz atacou o vetor
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O pequeno aumento no número
de casos de febre amarela neste começo de ano conjurou
por toda parte o fantasma da Revolta
da Vacina. Jornalistas traçaram o paralelo invertido entre as filas de hoje
nos postos de saúde e aqueles sete dias
de novembro de 1904 em que a população do Rio de Janeiro se insurgiu
contra a vacinação obrigatória.
Um detalhe na base da construção,
contudo, ameaça fazê-la desmoronar:
a vacina contra a febre amarela só foi
desenvolvida em 1937. Seu criador, o
sul-africano Max Theiler (1899-1972),
ganhou um Nobel em Medicina (1951)
pelo feito obtido nos EUA.
A incompatibilidade de datas é só
um detalhe, mas comparações históricas dependem de coisas assim para
permanecer de pé. A vacina contra a
qual o Rio se revoltou em 1904 era a
antivariólica, descoberta mais de um
século antes (1796) pelo inglês Edward Jenner (1749-1823). De seu trabalho originou-se o termo "vacina", já que inoculava em humanos material
retirado de pústulas de vacas.
A confusão atual entre febre amarela e Revolta da Vacina tem, contudo,
algum fundamento. A conexão está na
figura de Oswaldo Cruz (1872-1917),
diretor do Instituto Soroterápico de
Manguinhos na origem da fundação
que hoje leva seu nome, a Fiocruz.
O sanitarista formado no Instituto
Pasteur de Paris combateu as duas
doenças infecciosas, naquela que era
considerada na época uma das cidades
mais insalubres do planeta (nova epidemia de varíola assolava o Rio de Janeiro no ano de 1904, depois daquelas de 1878 e 1887).
Na falta de uma vacina, Oswaldo
Cruz derrotou a febre amarela atacando seu vetor, o mosquito Aedes egypti.
É o mesmo que transmite hoje a dengue entre nós e cria as condições
-teóricas- para uma epidemia urbana de febre amarela.
Suas brigadas de mata-mosquitos,
escoltadas pela polícia, invadiam as
casas dos pobres para exterminá-los
(os insetos, isto é; tal violência saneadora só é admissível, atualmente, contra os próprios moradores).
Focos de infestação, como cortiços ("cabeças-de-porco"), eram demolidos, seus habitantes postos no olho da rua. A questão sanitária, como a social, também era um caso de polícia.
O caldo entornou de vez em 31 de
outubro de 1904, quando o Congresso
aprovou a Lei da Vacina Obrigatória.
Em menos de uma semana a oposição
ao presidente Rodrigues Alves lançaria a Liga contra a Vacina Obrigatória.
Organizava-se a revolta popular que
contaria com o apoio dos positivistas,
misto de filosofia e religião secular
muito influente na época, sobretudo
entre militares. Até Rui Barbosa discursava contra a vacina.
Oswaldo Cruz ganhou a parada. Em
1907 a febre amarela estava erradicada do Rio (em sua forma urbana a
doença desapareceria do Brasil em
1942). No surto seguinte de varíola,
em 1908, a população correu para os
postos de vacinação -como faz agora
com a febre amarela.
O paralelo se esgota nele mesmo.
Não há como extrair daí lição alguma
sobre a derrota do obscurantismo pelas luzes, pela Razão com erre maiúsculo, ou coisa que o valha. Ainda é com certa dose de ignorância que a massa
se move, contra ou a favor desta ou daquela vacina.
Os herdeiros de Oswaldo Cruz continuam relativamente incapazes de
convencer parte da população, agora
de que a vacina pode fazer mal e não
deve ser tomada sem necessidade.
Não podem acusá-la de irracionalidade, contudo, quando ela se descobre
vivendo em áreas de risco, ou viajando
para elas, sem ter sido antes obrigatoriamente vacinada.
MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e de "Clones Demais" e "O Resgate das Cobaias", da série de ficção infanto-juvenil Ciência em
Dia (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( www.cienciaemdia.zip.net ). E-mail: cienciaemdia@uol.com.br
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