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+ ciência
Reino Unido quer assumir liderança no combate
ao efeito estufa aproveitando vácuo deixado por George W. Bush
O rei do clima
Jefferson Coppola/Folha Imagem
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Sir David King, conselheiro científico do primeiro-ministro Tony Blair, no pavilhão das autoridades do aeroporto de Congonhas |
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
O imperador está morto.
Longa vida à rainha. Assim
pode ser resumida a mensagem que o governo britânico mandou entregar ao Brasil
nesta semana no que diz respeito às
mudanças climáticas globais. O imperador, no caso, é George W. Bush,
presidente dos EUA, que abdicou da
liderança global no tema ao rejeitar
o Protocolo de Kyoto. A rainha é ela
mesma: Elizabeth 2ª, da Inglaterra,
ou mais precisamente seu primeiro-ministro, Tony Blair.
A mensagem é que a União Européia está assumindo o papel de líder
mundial na discussão sobre o combate ao aquecimento global e a adoção de energias limpas e quer o
apoio dos gigantes do Terceiro
Mundo (Brasil, China, Índia, África
do Sul e México). Para entregá-la, o
governo britânico designou literalmente um cavaleiro: Sir David King,
conselheiro científico de Blair.
King, um físico sul-africano de 65
anos, tem sido o principal porta-voz
do combate às mudanças climáticas
nos últimos dois anos. Fez a cabeça
de Blair para que o premiê elegesse o
efeito estufa, juntamente com a
questão da África, o tema prioritário
da presidência britânica do G8 (grupo das sete nações mais ricas do
mundo e a Rússia), cuja cúpula se
reúne semana que vem na Escócia.
Atuou nos bastidores para que a
Rússia ratificasse o Protocolo de
Kyoto em troca de uma vaga na Organização Mundial do Comércio.
Articulou a produção de um documento no qual o Reino Unido se
propõe a cortar 60% das suas emissões de gases-estufa até 2050.
Leia abaixo a entrevista que o cientista concedeu à Folha na última
quarta-feira, em um carro, entre os
aeroportos de Congonhas e Guarulhos, em São Paulo:
Folha - O que o sr. ouviu sobre a posição brasileira na questão climática?
Sir David King - Há um entendimento claro no Brasil dos problemas
potenciais associados à mudança
climática. O governo brasileiro,
acho, tomará a posição de que ação é
necessária. A posição britânica é
que, sob Kyoto, a ação necessária
vem do mundo desenvolvido. Então, nós não estamos demandando
que o Brasil ou os outros países [do
Terceiro Mundo] que estamos convidando a Gleneagles [Escócia] daqui a uma semana tomem medidas
ou se comprometam com medidas.
O que eu queria explicar é que o governo britânico quer iniciar um processo de negociação no G8+5, na
qual nós possamos fornecer uma liderança que possa ser seguida pelo
resto do mundo.
Folha - Alguém vai falar em metas e
prazos de redução de emissões na
reunião do G8?
King - Isso é função da Convenção
do Clima. Não nos vemos discutindo prazos dentro desse encontro.
Folha - O sr. acha que os EUA estão
moralmente obrigados a vir à mesa de
negociações climáticas após o apoio
britânico à guerra no Iraque? O primeiro-ministro Tony Blair acha que
esses temas estão conectados?
King - Acho que o primeiro-ministro Blair nunca disse que os dois assuntos estão conectados. Nós temos
uma relação especial com os EUA. E
nossa posição sobre o Iraque é uma
manifestação dessa relação especial.
E quando há uma relação especial,
claro que você pode esperar que outras coisas também fluam bem.
Folha - Qual é a essência do documento britânico sobre o pós-Kyoto?
King - O documento britânico faz
uma declaração clara: é um país dizendo que planeja ir além de Kyoto.
Kyoto nos leva a 2012. Nós queremos compromissos até 2050, e esses
compromissos implicam que em
2020 nós já teremos ido além de
Kyoto. E a razão pela qual fazemos
isso é porque isso nos dá uma posição de liderança. Em vez de esperar
uma concordância de todas as outras nações, nós estamos agindo.
Folha - As perspectivas do aquecimento só pioram a cada dia. A revista
"Nature" trouxe um estudo mostrando que até o combate à poluição por
aerossóis esquentará a Terra. O foco
do debate não deveria ser adaptação
em vez de mitigação?
King - A questão dos aerossóis é
uma das mais difíceis. O "apagamento global" que tem ocorrido ao
longo dos últimos 40 anos é em
grande parte devido aos aerossóis.
Mas agora que nós introduzimos catalisadores e controles ambientais, o
total de aerossóis na atmosfera está
se reduzindo. Então, há uma preocupação de que os modelos anteriores estejam subestimando o aquecimento. Agora, adaptação e mitigação devem andar juntas. Adaptação
é algo que as pessoas esquecem, porque o clima está mudando de forma
relativamente lenta de um ano ao
outro. Nós nos esquecemos de que
os verões mais quentes na Europa
Central no século passado, em 1948 e
1952, são agora a média para os verões da Europa. Os países ricos podem bancar o custo da adaptação. O
problema é com os mais pobres.
Folha - O Reino Unido vai cumprir
sua meta de Kyoto?
King - Sim. O Reino Unido, desde
1990, reduziu sua cesta de emissões
de gases-estufa em 14%. Então já estamos além da meta da Kyoto. Você
pode ter lido que no Reino Unido
houve uma pequena elevação nas
emissões nos últimos dois anos, mas
acredito que veremos uma queda
significativa no ano que vem, porque já descobrimos a fonte.
Folha - Qual era?
King - Pelo menos em parte foi porque uma das usinas nucleares foi
temporariamente desligada e substituída por uma usina a carvão.
Folha - Acha que a energia nuclear...
King - Eu sabia que você iria fazer
essa pergunta. Se ela tem um papel a
desempenhar? A resposta é relativamente fácil: a energia da fissão nuclear está disponível, modelos modernos de usinas de fissão são muito
mais eficientes que modelos anteriores e produzem muito menos lixo
radioativo que modelos anteriores.
Elas não emitem gás carbônico.
Folha - Outro tópico da sua visita ao
Brasil foi o Iter.
King - Sim, o Reator Termonuclear
Experimental Internacional será
agora construído em Cadarache, como foi noticiado, e eu estou satisfeitíssimo, porque eu fui o encarregado
de ir ao Japão e discutir uma solução
ao problema, o que põe o Japão e a
União Européia como parceiros-sêniores do programa. Tive discussões
muito úteis sobre a possibilidade de
o Brasil ser o sétimo parceiro. Há
também conversas para que a Índia
seja o oitavo.
Folha - Por que o Brasil deve entrar?
King - Por várias razões. No Brasil
vocês têm vários PhDs trabalhando
no campo. Também descobri uma
coisa muito interessante nesta viagem: vocês são uma enorme fonte de
nióbio. O Iter funciona com base no
controle magnético do plasma usando molas coloidais, cujo principal
constituinte é o nióbio.
Folha - Como foi a reação brasileira
ao convite?
King - Muito positiva. A União Européia está mandando uma delegação em um mês para discutir detalhes da ciência de fusão e de como a
colaboração deve funcionar.
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