São Paulo, domingo, 03 de julho de 2005

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Ciência em Dia

Nó na madeira

MARCELO LEITE
COLUNISTA DA FOLHA

O maior problema da Amazônia é a ignorância. Não a dos amazônidas, mas a do restante dos brasileiros, alheios ao que de fato se passa em 60% do território nacional. Note que muita coisa anda acontecendo por lá, e não é só desmatamento para pecuária e agricultura (por mais que 26 mil quilômetros dizimados num único ano chamem com justiça a atenção). Tanta coisa que, mal se começa a desfazer um mito, como o da madeira exportada, já é preciso corrigir a própria desmitificação.


A Amazônia está mudando mais rápido do que é possível acompanhar


Pelo menos uma geração de brasileiros cresceu acreditando que importadores asiáticos, americanos e europeus eram os principais responsáveis pela destruição da floresta. Em 1998, um levantamento pioneiro do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revelou que apenas 14% da madeira derrubada na Amazônia seguia para o exterior. A maior parte ficava aqui mesmo. Só o Estado de São Paulo, construção civil à frente, abocanhava 20%.
O estudo, que fez época, mostrava também que a maioria das árvores era abatida de forma ilegal e predatória. O desperdício era enorme nos 72 pólos madeireiros mapeados pela ONG de pesquisa sediada em Belém do Pará. O rendimento médio das toras alcançava só 38% nas serrarias. Cerca de 30% a 40% da área de floresta em exploração era danificada, quando métodos de manejo florestal poderiam reduzir isso a 20%.
Em apenas seis anos, revela nova pesquisa do Imazon, esse panorama modificou-se. Saltou para 36% a fatia da exportação nos 82 pólos madeireiros visitados em 2004, que derrubaram algo como 6,2 milhões de árvores. As vendas no exterior geraram divisas de quase US$ 1 bilhão em 2004, contra menos de US$ 400 milhões em 1998. Mais detalhes estão no texto "A Expansão Madeireira na Amazônia" (www.imazon.org.br/upload/expansao-madeireira2.pdf), número 2 da série "O Estado da Amazônia", do Imazon.
É um desenvolvimento preocupante. Dá razão, retrospectivamente, aos que previam um futuro lúgubre para a floresta amazônica, diante do esgotamento da exploração madeireira nas florestas da Indonésia e da Malásia. Repete-se, assim, o que ocorreu com o mito da Conexão Hambúrguer: popular nos anos 1980, a noção de que a pecuária de corte para exportação era um dos principais motores do desmatamento acabou se tornando verdadeira, ainda que só no final do milênio.
Há também boas notícias no levantamento da ONG. A principal delas é que o consumo de toras pelas serrarias caiu de 28,3 milhões de m3 em 1998 para 24,5 milhões de m3 em 2004. Isso apesar do aumento nas exportações e da relativa estabilização da produção de madeira processada (10,4 milhões de m3 em 2004, contra 10,8 milhões de m3). Trocando em miúdos, houve um aumento de eficiência no processamento, cujo rendimento médio subiu para 42%.
A Amazônia está mudando, e rápido. Mais rápido do que a opinião pública e até especialistas conseguem acompanhar. Resta saber quantos congressistas, entre as seis centenas deles que ora decidem sobre o projeto de lei sobre concessões florestais, já ouviram falar do Imazon e das informações que traz à luz.

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