UOL


São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

Próximo Texto | Índice

+ ciência

PESQUISADOR USA DETECTOR DE RAIOS CÓSMICOS NA TENTATIVA DE DESVENDAR MISTÉRIOS DE UMA PIRÂMIDE CONSTRUÍDA NO MÉXICO POR UM POVO ANTIGO HÁ 2.000 ANOS

A CÂMARA SECRETA

Reprodução
Pirâmide do Sol, construção de 2.000 anos nas ruínas de Teotihuacán, México, que será vasculhada com a ajuda de partículas subatômicas vindas do espaço


Gonzalo Argandoña
da "New Scientist"

Quando Arturo Menchaca estava estudando física na Universidade de Oxford, no Reino Unido, ele nunca imaginou que sua paixão por física de partículas fosse levá-lo à arqueologia. No entanto, neste mês, Menchaca, que dirige o Instituto de Física da Unam (Universidade Nacional Autônoma do México), vai se aventurar sob toneladas de rocha e lama à procura da tumba de um rei que desapareceu séculos atrás. Ali, ele instalará um detector de raios cósmicos -um dispositivo bizarro mesmo para esta era, na qual a alta tecnologia invadiu a pesquisa arqueológica. Menchaca acredita que as partículas de alta energia que vêm do espaço e bombardeiam a Terra ajudarão a desenterrar os segredos da Pirâmide do Sol, construída há 2.000 anos em Teotihuacán, perto da Cidade do México. As origens de Teotihuacán se estendem até o ano 800 a.C., quando os primeiros habitantes se instalaram na região. A cidade foi a primeira metrópole das Américas, a capital de uma civilização complexa que durou mais do que o Império Romano. Mas isso parece ser tudo o que se sabe a respeito desse lugar. Ninguém sabe, por exemplo, se a cidade tinha monarcas absolutos, como ocorria na maioria das civilizações antigas, ou se era governada por uma coalizão formada pelas famílias mais influentes. Mesmo o nome verdadeiro da cidade se perdeu no tempo. Por algum motivo desconhecido, a metrópole foi abandonada por volta do século 7 da Era Cristã. Mais tarde, quando os astecas a encontraram -completamente deserta-, pensaram que o local fosse habitado por seres sobrenaturais. Foram os astecas que batizaram as ruínas. Na língua desse povo, o nahuátl, o nome Teotihuacán significa "local dos deuses". "Infelizmente, Teotihuacán não tem história. Não temos nenhuma língua ou fonte escrita conhecida que nos ajude a decifrar o passado da cidade", afirma Linda Manzanilla, arqueóloga do Departamento de Pesquisa Antropológica da Unam. Uma das mais importantes questões ainda sem resposta sobre Teotihuacán diz respeito justamente às suas origens: quem fundou e governou essa cidade sagrada? Os arqueólogos acreditam que câmaras reais, escondidas sob a cidade, poderiam conter a resposta, mas décadas de escavações até agora não trouxeram nenhuma evidência conclusiva. Então, só por causa disso, a resposta deveria vir do espaço? Menchaca acredita que sim.

Precedente faraônico
Afinal, lembra o físico mexicano, isso já foi feito antes. No final dos anos 1960, o Prêmio Nobel Luis Alvarez, da Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA, usou um detector de raios cósmicos para analisar a Pirâmide de Quéfren, no platô de Gizé, a 10 quilômetros do Cairo, Egito. Embora uma das muitas guerras na região tenha impedido uma exploração mais completa do local, Alvarez -o mesmo pesquisador que descobriu as evidências de uma cratera na península de Yucatán que teria sido feita pelo asteróide que aniquilou os dinossauros- ainda conseguiu relatar, na revista científica americana "Science", que ele não tinha encontrado nenhum compartimento ainda não descoberto. Anos mais tarde, durante seu pós-doutorado, Menchaca se encontrou com Alvarez quando este dava aulas em Berkeley. Eles conversaram sobre o experimento na pirâmide de Quéfren, mas Menchaca se esqueceu de tudo sobre essa idéia até voltar ao México, quando conheceu Manzanilla. Juntos, eles concordaram que recriar o experimento egípcio de Alvarez sob a pirâmide mexicana talvez pudesse dar aos arqueólogos a evidência final, de que eles precisavam tão desesperadamente. Quando os raios cósmicos atingem a atmosfera da Terra, há uma violenta mas invisível colisão, que cria milhões de múons, partículas minúsculas que duram apenas um milionésimo de segundo. Durante esse breve intervalo de tempo, os múons viajam por dezenas de quilômetros, passando quase ilesos pela maioria dos tipos de material -veja bem, quase ilesos. Cada obstáculo que os múons atravessam consegue absorver uma pequena fração deles. Quanto mais denso o objeto, maior a absorção. Portanto, um detector de raios cósmicos instalado sob uma estrutura como a Pirâmide do Sol dará uma medida indireta da densidade daquilo que está mais em cima. "Se nós detectarmos mais partículas que o esperado vindas de uma dada parte do edifício, isso significa que deve haver um buraco naquela direção", explica Menchaca. O detector tem a aparência de um cubo, cujos lados medem 1 metro. O alto e o fundo do cubo são recobertos com "cintiladores" de plástico, que produzem luz e um sinal elétrico quando são atingidos por partículas de alta energia. Como os múons levam menos de um nanossegundo (um bilionésimo de segundo) para atravessar o detector, se ambas as camadas plásticas detectarem um sinal dentro dessa janela de tempo, tem-se uma prova definitiva da passagem do múon. De acordo com os cálculos de Menchaca, se a Pirâmide do Sol não tiver compartimentos secretos, o detector deve contar cem partículas a cada segundo. Se essa contagem vier a ser mais alta, os pesquisadores acham que isso deve indicar a presença de uma câmara secreta. Mas a detecção é só metade do trabalho. Os pesquisadores precisam também saber de que direção vêm os múons. Isso é feito por meio de 1.200 fios elétricos esticados através do cubo em diferentes direções. Quando os múons passam, eles ionizam o ar dentro do detector, e o campo elétrico resultante afeta as correntes que fluem por esses fios. Uma vez que esse efeito é mais forte no fio mais próximo da trajetória do múon, os pesquisadores podem usar a localização das correntes variáveis para estabelecer a trajetória do múon e reconstruir a rota da partícula através do templo. Se eles virem uma quantidade inesperadamente alta de múons numa dada direção, podem inferir a presença da câmara secreta.

Problema logístico
Em teoria, o sistema é perfeito. Mas há um problema óbvio: como instalar um detector de raios cósmicos debaixo das ruínas? Cavar um buraco é muito invasivo, caro e, o pior, pode destruir o patrimônio arqueológico.
Aqui os pesquisadores de Teotihuacán deram sorte. Os habitantes originais do lugar escavaram um túnel que chega quase ao coração da Pirâmide do Sol. A entrada da galeria é bem pequena, mas, uma vez lá dentro, há espaço de sobra. O corredor pré-histórico se estende por mais de cem metros, até encontrar uma caverna que se abre para várias câmaras. "O lugar é perfeito para o experimento", diz Menchaca. Ele instalou um protótipo de detector no ano passado, no meio da caverna. Depois que todos os testes de equipamento e dos sistemas de detecção funcionaram, Menchaca e seus colegas da Unam construíram a versão final da máquina.
Neste mês, o detector em Teotihuacán será deixado nas sombras sob a pirâmide, e lá permanecerá por um ano, contanto milhões e milhões de múons. Vários gigabytes de dados viajarão continuamente até um computador localizado a 40 km do templo, na Unam, onde os pesquisadores decifrarão os números em busca de compartimentos escondidos, com uma precisão de meio metro.
Depois que acharem uma boa candidata a câmara real, terão de encarar a parte mais difícil do trabalho: cavar até as coordenadas tridimensionais obtidas pelos dados fornecidos pelos raios cósmicos. No entanto, uma vez que terão a localização exata do compartimento, os arqueólogos poderão escavar com um impacto mínimo, comparado a uma exploração cega.
Caso finalmente consigam localizar a tal câmara e entrar nela, o que os pesquisadores esperam encontrar? Ouro e esmeraldas consagrados à glória dos antigos reis? Ou só um punhado de ossos empoeirados? A julgar pelas numerosas pinturas encontradas em Teotihuacán -que não trazem nenhuma representação reconhecível de monarcas-, Manzanilla suspeita que os habitantes originais de Teotihuacán não glorificavam suas autoridades. Na verdade, ela acredita que a liderança na cidade fosse coletiva.
"A cidade inteira estava dividida em quatro setores principais", afirma a arqueóloga mexicana. "O mesmo número, quatro, é um motivo recorrente na arte teotihuacana, da mesma forma que a plaza [uma espécie de terraço cerimonial] que eu estou escavando agora perto da Pirâmide do Sol. Todas essas evidências podem ser sinais de uma coalizão política estável, formada por quatro governantes", sugere. Em agosto de 2004, os raios cósmicos já deverão ter cumprido seu papel e, então, ela saberá se acertou.


Próximo Texto: Micro/Macro: A visão de um padre cosmólogo
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.