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São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2003

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Ciência em Dia

O caso Taxol

Marcelo Leite
editor de Ciência

Há países em que tribunais de contas servem para alguma coisa. Nos EUA, o General Accounting Office (GAO) acaba de prestar um serviço a todos os que se preocupam com a indústria e a tecnociência farmacêutica, dentro e fora das fronteiras do país cujo Estado lhe cabe fiscalizar, no que respeita a gastos -meio bilhão de dólares, no caso.
Seu relatório sobre ganhos e perdas do contribuinte americano com o remédio antitumoral Taxol, da Bristol-Myers Squibb (BMS), deveria tornar-se leitura obrigatória para quem está tentando, a duras penas, criar um ambiente empresarial de inovação biotecnológica no Brasil. O texto pode ser baixado da internet, de graça e a qualquer hora: www.gao.gov/new.items/d03829.pdf.
Segundo o relatório do GAO, o Taxol -cujo princípio ativo leva o nome genérico de paclitaxel- se tornou em 2001 o mais vendido remédio contra câncer de todos os tempos. É indicado para tratar vários tipos de câncer, como os de ovário e mama, certos tipos de tumores do pulmão e o sarcoma de Kaposi (associado com Aids). A droga rendeu à BMS US$ 9 bilhões, entre 1993 e 2002, mas só chegou ao mercado graças às verbas públicas que financiaram a pesquisa inicial.
O princípio ativo foi isolado em 1971 da casca um arbusto sem valor econômico, o teixo-do-pacífico (Taxus brevifolia). Os estudos para desenvolver métodos de síntese da droga, de modo a tornar sua produção mais independente do vegetal, foram realizados principalmente pela Universidade do Estado da Flórida, com financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos EUA, que também empreenderam os custosos estudos clínicos necessários para obter a aprovação da droga pela FDA (agência norte-americana de fármacos e alimentos).
Em 1991, um "acordo cooperativo de pesquisa e desenvolvimento" foi firmado entre os NIH e a BMS, com base em legislação federal aprovada na administração de Ronald Reagan. A intenção era permitir, com a mobilização da experiência mercadológica acumulada no setor privado, que o remédio chegasse mais rapidamente às prateleiras das farmácias do que seria o caso se isso ficasse a cargo de instituições estatais.
De acordo com o relatório do GAO, as verbas públicas investidas na criação do medicamento somaram US$ 484 milhões, mas o 0,5% de royalties sobre vendas mundiais negociados no acordo rendeu ao poder público só US$ 35 milhões. A BMS, por seu turno, despendeu cerca de US$ 1 bilhão no desenvolvimento, mas faturou os tais US$ 9 bilhões -US$ 687 milhões deles do sistema público de saúde dos EUA, entre 1994 e 1999.
Uma das principais críticas do relatório é que os NIH não foram capazes de obter garantias, na negociação do acordo com a empresa, de que o Taxol teria preços razoáveis. Uma das razões para essa deficiência, para o GAO, é que o poder público não providenciou uma patente sobre o método de síntese do paclitaxel, o que lhe daria mais poder de barganha.
Apesar das críticas, o relatório conclui que, abstraindo o aspecto financeiro, "o benefício para a saúde pública foi claramente demonstrado, pois havia poucos tratamentos para mulheres com câncer de ovário ou de mama quando o Taxol chegou ao mercado".
Não apareceu ainda uma história de sucesso bilionário como o do Taxol entre os milhares de compostos que programas de bioprospecção brasileiros estão investigando. Antes que apareça, é bom pensar em formas criativas de garantir o maior benefício possível para os pacientes, sem ao mesmo tempo lesá-los na condição de contribuintes.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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