São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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+Marcelo Leite

Pingüins nordestinos


Em pleno julho, cozinhamos no trópico de Capricórnio

Outro dia tive um acesso de riso quando li a notícia de que o governo do Estado de São Paulo havia proibido a venda de bananas por dúzia. De ora em diante, a fruta que tabaréus do Vale do Paraíba gostam de comer com paçoca de amendoim só poderá ser comercializada por quilo. Faz algum sentido. O peso é uma medida mais objetiva que a dúzia, pois bananas variam de tamanho. E não me refiro às variedades, como nanica, prata, ouro, maçã, São Tomé, da terra etc. Uma dúzia de nanicas pode esconder considerável variação. Qualquer dia desses vão inventar o peso líquido para bananas, vez que a espessura da casca varia. Tampouco parece má idéia proibir a venda de ovos por dúzia. Esse outro gênero de primeira necessidade também padece de uma variação inaceitável. Difícil vai ser o pessoal da venda conseguir engordar bananas e ovos, como as padarias fizeram com os pãezinhos de, bem, 50 gramas. A voragem legiferante que assola o país tem lá seu lado ridículo, mas também produz efeitos positivos. Sério. Considero piada de mau gosto, por exemplo, falar em indústria da multa de trânsito. O suposto empreendimento iria à falência se as pessoas começassem a obedecer às regras. Algo de similar acontece com a chamada lei seca para quem está no volante. Espanta que advogados e biriteiros dêem tantas entrevistas à TV defendendo o direito constitucional de não soprar o bafômetro. Ridículo por ridículo, fico com as bananas. Em São Paulo, causou revolta entre transportadoras e caminhoneiros novas regras com restrições de circulação em 100 km2 do chamado centro expandido. Pior, agora o rodízio dos horários de pico (7-10h e 17-20h) vale também para os caminhões. Já, já aparece um causídico oportunista alegando atropelamento do direito de ir e vir. Sabe o que é pior? Não melhorou grande coisa. Cheguei de viagem quarta-feira na hora do almoço, apenas uma semana fora desta megacidade infeliz, e quase sufoquei. De raiva, com o congestionamento na Marginal Tietê. E literalmente, com a maior quantidade de poluição que já vi (para não falar do cheiro do rio). O que é preciso, além disso, para as pessoas se darem conta de que o "direito" individual de viver como bem entendem vai nos levar todos para o abismo? Não cabem mais carros e caminhões em São Paulo. Não cabem mais poluentes em seu ar. Não cabe mais esgoto no Tietê. Não cabe mais CO2 na atmosfera terrestre, apesar das juras céticas de físicos aposentados que a imprensa acaba de descobrir (até nisso nos atrasamos). Não cabe mais falar em cidade limpa quando a ausência de outdoors nas ruas torna evidente que a metrópole está pavorosa. E não só ela. O Vale do Paraíba inteiro tem sido coberto por uma nuvem de poeira e fumaça, assim como todo o interior. Só o pôr-do-sol fica mais bonito, com tanto material particulado em suspensão para desvirtuar a paleta de cores dos raios solares. Em pleno julho, cozinhamos no trópico de Capricórnio com temperaturas próximas dos 30C. Além das bananadas dos gerentões paulistas e das batatadas dos altos advogados de todo o Brasil, ouço no noticiário que um número recorde de pingüins está desembarcando no litoral brasileiro. Até em Sergipe eles foram parar. Essas evidências episódicas não são prova de mudanças climáticas, claro. Mas também já parece sensato proibir que os pingüins continuem indo para o Nordeste.


MARCELO LEITE é autor de "Promessas do Genoma" (Editora Unesp, 2007) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ). E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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