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CIÊNCIA
Pesquisa busca explicar por que o sistema de defesa orgânica da gestante não ataca o feto, um "corpo estranho' no útero
Feto se defende da mãe, diz estudo
RICARDO BONALUME NETO
especial para a Folha
Um grupo de pesquisadores nos
EUA descobriu como o feto consegue "desligar" parte do sistema
de defesa da mãe contra infecções
-com isso evitando ser vítima do
sistema imunológico materno.
Ou seja, antes mesmo de nascer,
um bebê já sabe "se virar", se
defendendo habilmente contra
um "inimigo" que poderia rapidamente matá-lo: sua própria
mãe.
Desde 1953 que os cientistas se
perguntavam como o feto consegue sobreviver dentro do corpo da
mulher, sendo ele um objeto estranho ao organismo materno.
Um bebê tem apenas metade do
material genético proveniente da
mãe. O resto vem do pai. Isso basta
para ele ser considerado estranho
pelo organismo dela -como se
fosse um vírus ou uma bactéria.
A contradição fora apontada pelo pesquisador britânico Peter
Brian Medawar (1915-1987), prêmio Nobel de Medicina nascido
no Brasil. Segundo a hipótese mais
aceita para explicar o caso, haveria
algum tipo de "tolerância" imunológica por parte da mãe.
O novo estudo, publicado na revista "Nature" de 27 de agosto último, foi feito com camundongos
e mostrou um mecanismo bioquímico de defesa do feto.
Os sete autores, liderados por
Andrew L. Mellor, pertencem ao
Medical College da Geórgia, de
Augusta, e à Universidade da
Geórgia em Athens (sul dos EUA).
O feto produziria uma enzima, a
IDO, capaz de eliminar uma substância chamada triptofan, um
aminoácido que ativa a ação de células de defesa tipo T da mãe.
Os pesquisadores usaram camundongos incapazes de produzir a IDO.
Os fetos eram de dois tipos, uns
incluindo genes paternos bem diferentes, e outros que tinham apenas genes iguais aos maternos, de
uma linhagem de animais com alto grau de consanguinidade.
Houve aborto espontâneo dos
fetos que tinham genes paternos
bem diferentes; os outros sobreviveram.
A descoberta coloca uma dúvida
em termos evolucionários. O papel da mãe não seria muito passivo
no processo, logo ela que teria interesse em ter o bebê e passar
adiante seus genes?
"Eu diria que a mãe também está interessada em sobreviver para
poder ter seus filhos", afirmou
Mellor em entrevista à Folha.
"Se a outra opção evolutiva fosse atenuar o sistema imunológico
da mãe na gestação, essa estratégia
estaria colocando as fêmeas grávidas em desvantagem em termos de
sobrevivência, já que as infecções
e doenças teriam mais chance de
serem bem-sucedidas durante a
gravidez", acrescentou Mellor.
Nesse sentido, o método proposto por Mellor e colegas seria
uma estratégia evolutivamente
melhor, pois permitiria à mãe ter
seu sistema de defesa eficiente ao
mesmo tempo que carrega um feto potencialmente capaz de ativar
essas defesas orgânicas.
"Um corolário interessante dessa estratégia, que pode ter relevância clínica, é que a distinção entre
tecidos fetais e tecidos infectados
pode ser mais complicada durante
a gravidez. Isso pode significar que
infecções no trato uterino podem
aumentar a tendência da mãe de
ter abortos espontâneos", diz
Mellor.
A pesquisa, se confirmada, poderá no futuro ajudar mães com
problemas de abortos sucessivos.
Caso a origem do problema seja
uma dificuldade do feto em produzir a IDO para se defender inibindo a ação das células-T, um
medicamento substituto poderia
ser desenvolvido.
O papel da IDO no sistema de
defesa pode ser ainda mais complexo do que agora se mostrou.
Pode ter ligação com as chamadas
doenças auto-imunes, nas quais
células do sistema de defesa atacam o próprio organismo.
"No momento, estamos focando nossos esforços de pesquisa em
testes experimentais diretos da hipótese de que células expressando
a enzima IDO têm um papel em
desligar as células-T que promovem doenças auto-imunes", afirma Mellor.
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