São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2006

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Interruptor de genes rende Nobel a dupla americana

Kimberly White/Reuters
Andrew Fire chega para entrevista em Palo Alto, Califórnia


Andrew Fire e Craig Mello descobriram processo pelo qual RNA silencia genes

Mecanismo descoberto em 1998 já se consagrou como ferramenta de pesquisa e deve resultar em aplicação terapêutica em poucos anos

DA REDAÇÃO

Os vencedores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2006 são dois americanos que descobriram um mecanismo fundamental para a compreensão de como os genes são ligados e desligados nas células. Andrew Fire, 47, e Craig Mello, 45, trabalhavam juntos no Instituto Carnegie, de Washington, quando publicaram em 1998 o estudo que lhes rendeu a premiação, ontem. O tempo entre a descoberta e a premiação foi um dos menores já registrados na história do Nobel.
Fire e Mello descobriram que moléculas de RNA (uma espécie de auxiliar do DNA) podem "silenciar" genes e impedi-los de produzir proteínas, as moléculas responsáveis por colocar o organismo em funcionamento. O mecanismo descrito pelos cientistas, batizado como RNA de interferência (RNAi), é hoje uma ferramenta de pesquisa fundamental para geneticistas e deve em breve se tornar uma aplicação médica.
Como o processo descoberto por Mello e Fire é capaz de bloquear a produção de certas proteínas, ele acabou se tornando a ferramenta ideal para investigar o papel delas no organismo. Ao injetar o RNAi em animais de laboratório ou células em cultura, basta ver as conseqüências para descobrir a falta que o gene-alvo faz.
O efeito pode ser aproveitado também para desativar genes que exercem atividade indesejada em certas situações, como em células de câncer que insistem em se proliferar. Ainda não existe nenhum tratamento disponível baseado em RNAi, mas já há um teste clínico em andamento para tratar degeneração macular, um problema médico que leva a cegueira. Doenças infecciosas, como a Aids, também estão na mira dos cientistas.

Surpresa fora de hora
Os dois vencedores do prêmio deste ano foram tirados da cama ontem de madrugada por telefonemas do Instituto Karolinska, da Suécia, a fundação que administra o Nobel. Mello recebeu a ligação quando estava dormindo. "Minha mulher disse: "É um trote, não atenda'" contou o cientista em entrevista. "Eu disse a ela que estavam anunciando o Prêmio Nobel e era melhor eu atender."
Tanto Mello quanto Fire disseram que esperavam mesmo ganhar o prêmio algum dia, mas não tão cedo. "Eu desconfiava que isso seria possível, mas eu tenho apenas 45 anos, então achava que aconteceria apenas em dez ou vinte anos", disse Mello. "É incrível. Ainda não caiu a ficha."
A dupla de pesquisadores vai dividir agora em partes iguais o prêmio de 10 milhões de coroas suecas (R$ 2,9 milhões). Mello já disse que pretende doar parte do dinheiro a instituições de caridade, mas Fire afirma não ter ainda a "menor idéia" de o que fazer com o dinheiro.
Os ganhadores do prêmio de medicina deste ano tiveram histórias acadêmicas diferentes antes de se unirem no Instituto Carnegie, e já não trabalham mais juntos. Hoje, Fire leciona patologia e genética na Escola Médica de Stanford, na Califórnia, e Mello é professor de medicina molecular no Instituto Médico Howard Hughes, em Boston. Enquanto Fire teve uma carreira científica meteórica começando com uma graduação em matemática, Mello começou a trabalhar em biomedicina desde cedo.
Além do prêmio Nobel, os dois compartilham a primeira patente sobre o uso de RNA para silenciar genes. Desde 2003, diversas gigantes da área bioquímica e farmacêutica, como Novartis, Pfizer, GlaxoSmithKline e Monsanto, já pagam royalties pelo uso da técnica.
Apesar de o reconhecimento a Mello e Fire ter chegado rápido, pesquisadores brasileiros que já trabalham com RNAi consideraram o prêmio justo. "O que eles fizeram modifica a forma com que víamos como a regulação da expressão de genes funciona", diz o geneticista Carlos Menck, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP. "Existe um mundo de RNA dentro da célula que a gente não conhecia, e é uma ponta de um iceberg, que estamos começando a entender."
Segundo Iscia Lopes-Cendes, pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, o RNAi "já está no dia-a-dia de cientistas do mundo inteiro". "É uma técnica [de silenciamento de genes] versátil, potente, específica e não é excessivamente cara."
O anúncio do prêmio para medicina ontem foi o primeiro da série científica do Nobel de 2006. Amanhã serão divulgados os nomes dos ganhadores em Física, e, na quarta-feira, em Química. (RAFAEL GARCIA)


Com agências internacionais

Saiba mais sobre o Prêmio Nobel www.nobelprize.org


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