São Paulo, segunda-feira, 03 de novembro de 2008

Índice

Juiz de tênis é cego a bola fora, diz grupo

Para americanos, cérebro humano é incapaz de perceber com precisão vários objetos em movimento simultâneo e rápido

Análise de pontos feitos no torneio de Wibledon mostra que árbitros marcam foras incorretos mais vezes, pois percepção ocorre após fato

Yves Iogghe - 23.set.05/Associated Press
O tenista americano James Blake discute com juiz Norbert Peick durante partida da Copa Davis contra o belga Olivier Rochus

EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Atenção, tenistas profissionais: nas quadras de piso duro ou de grama equipadas com o sistema eletrônico do desafio (que permite ao jogador duvidar da decisão do árbitro durante o jogo), pode ser produtivo desconfiar das bolas dadas como fora pelo juiz.
O conselho vem de um estudo realizado na Universidade da Califórnia, EUA, publicado na revista científica "Current Biology" na semana passada. E a culpa é do cérebro humano.
"O sistema visual está diante de um grande desafio quando precisa registrar a localização de um objeto", disse David Whitney, autor do estudo, em um comunicado. "O sistema visual é lento", afirmou.
Como a imagem de uma bola de tênis está sempre em movimento na retina, demora alguns milissegundos para que ela seja fixada no cérebro. A percepção visual, afirmam os cientistas, ocorre sempre um pouco depois da realidade. Como nesse tipo de ilusão os objetos aparentam se deslocar na direção do seu movimento, teorizaram os cientistas, os árbitros tenderiam a errar mais a marcação de bolas fora.
Para testar a hipótese, eles analisaram de forma aleatória 4.457 pontos marcados no torneio de tênis de Wimbledon em 2007. Desse total, os cientistas identificaram 83 decisões erradas dos árbitros, e 70 desses erros estavam dentro do previsto. As bolas dadas como fora não pingaram além das linhas.

Movimento relativo
A percepção da posição de uma bola em movimento depende do deslocamento desse objeto, mas também das outras coisas que estão em movimento movimento na cena sob visualização. Isso é algo que já se sabia dentro dos laboratórios e que agora pode ser medido em uma quadra de tênis.
Para Emílio Takase, do Laboratório de Educação Cerebral da Universidade Federal de Santa Catarina, o estudo faz todo o sentido. Ele cita, por exemplo, os estudos que provam a existência da chamada "cegueira de desatenção". Esses trabalhos mostram que nem sempre o cérebro enxerga tudo ou representa 100% do que ocorre de verdade.
Em um estudo famoso publicado em 1999 por pesquisadores da Universidade Harvard (e que ganhou o Ig Nobel em 2004), alunos que viram o vídeo de pessoas de roupa branca trocando passes com uma bola de basquete -e deveriam contar o número de vezes que a bolava trocava de mãos- nem sempre perceberam, por exemplo, quando um indivíduo vestido de gorila entrava em cena.
Mas o mesmo processo não ocorreu quando as pessoas que trocavam a bola estavam vestidas de preto, a mesma cor da fantasia de gorila.
Takase lembra que essa dificuldade em fixar a visão em objetos rápidos, observada nas quadras de tênis pelo grupo de pesquisa americano, tem também explicações evolutivas.
"Nós somos tricromatas, então teremos mais dificuldade de ver movimentos no mundo das cores. Se fôssemos dicromatas (daltônicos, por exemplo), a percepção de um estímulo em movimento seria mais rápida", disse o cientista.
Segundo Takase, talvez os juízes pudessem utilizar um tipo de óculos que filtrasse uma banda de freqüência de cor para ver melhor a bola.
Os pesquisadores americanos, além de darem uma dica científica para Ana Ivanovic, Rafael Nadal e companhia -pelas regras, quando um desafio é revertido, o jogador pode continuar a pedir o replay em pontos seguintes-, dão uma sugestão mais polêmica.
Talvez a solução seria espalhar o saibro, usando no Aberto da França, para os demais torneios do Grand Slam, brincam. A marca da bola deixada na terra batida facilita a fixação da imagem, dizem eles. O difícil, aqui, seria os britânicos concordarem em abandonar a grama sagrada de Wimbledon. Ou os americanos e australianos desistirem da quadra de piso rápido -a preferida deles.
Os números também apontam que os desafios pedidos pelos jogadores podem fazer uma boa diferença no resultado de uma partida. Em Wimbledon, em 2007, 25% dos 140 desafios solicitados pelos tenistas mudaram a decisão anterior que havia sido dada pelo árbitro.


Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.