São Paulo, terça-feira, 03 de dezembro de 2002

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BIOQUÍMICA

Grupo descobre compostos que controlam molécula aparentada com a droga e produzida no sistema nervoso

"Maconha" do cérebro combate ansiedade

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Os cientistas vêm tentando há anos encontrar formas de aproveitar as propriedades calmantes da maconha sem os efeitos colaterais da droga. Um grupo da Itália e dos Estados Unidos parece ter resolvido o problema: seus integrantes conseguiram combater ansiedade em roedores controlando a ação da anandamida, a "maconha" natural do cérebro.
A anandamida é um mensageiro químico do sistema nervoso que se parece muito com o THC, princípio ativo da maconha. Ambas as substâncias agem sobre o mesmo tipo de fechadura molecular das células nervosas (os chamados receptores de canabinóides), daí os pesquisadores acharem que elas desempenham basicamente as mesmas funções.
Só que, diferentemente do THC, a anandamida (cujo nome vem do sânscrito "ananda", êxtase) é degradada de modo rápido nas células após cumprir sua função.
Num estudo publicado ontem na edição on-line da revista "Nature Medicine" (www.nature.com/nm), uma equipe coordenada pelo italiano Daniele Piomelli, da Universidade da Califórnia em Irvine (EUA), afirma ter descoberto duas moléculas que impedem a quebra imediata da substância, dando a ela mais tempo de agir -e de causar o famoso efeito ansiolítico.
As duas substâncias têm os nomes indigestos de URB532 e URB597. Elas bloqueiam a atividade da enzima FAAH, responsável por destruir a anandamida. Testadas em ratos e camundongos, elas produziram efeito tranquilizante parecido com o dos benzodiazepínicos, a categoria mais comum de calmante.

Labirinto
Um dos testes consistia em deixar os animais num labirinto circular conhecido como labirinto-zero. A estrutura tem duas seções abertas e duas fechadas, e o grau de ansiedade dos animais pode ser avaliado em razão do tempo que eles passam nas partes abertas -roedores geralmente têm medo delas.
No labirinto-zero, os animais que receberam injeção das novas drogas passaram a frequentar as partes abertas como se estivessem sob efeito de calmantes.
Num outro teste, contou-se o número de gritos de filhotes de camundongo separados da mãe. De novo, animais que haviam recebido injeções das drogas ficavam mais calmos.
"Elas são comparáveis em termos de potência a benzodiazepínicos como o diazepam, embora atuem de outra maneira", disse Piomelli à Folha, por e-mail.
No entanto, as drogas que potencializam a ação da anandamida não provocaram os efeitos colaterais típicos dos benzodiazepínicos e da própria maconha, como sonolência, apetite excessivo, lentidão de reflexos e alterações de percepção.
"A anandamida não parece dar "barato", mas influenciar humor e dor", afirmou. Piomelli diz não saber ainda se as novas substâncias têm algum outro tipo de efeito tóxico, ainda desconhecido. "Provavelmente sim, como todas as drogas. Mas o único jeito de descobrir é por meio de testes toxicológicos, algo que pretendemos fazer num futuro próximo."

Maconha e chocolate
Piomelli, 44, há 15 anos radicado nos EUA, tem se debruçado sobre a "molécula do êxtase" desde sua descoberta, em 1992. Em 1995, ele descobriu a enzima FAAH. Um ano mais tarde, mostrou que o chocolate possui compostos bastante parecidos com a "maconha" do cérebro e com os bloqueadores da FAAH, o que poderia explicar por que chocolate vicia.
"Era lógico que começássemos, a partir daí, a tentar identificar os inibidores", afirmou. Piomelli conta que foram necessários dois anos de trabalho "e muita sorte" para sintetizar os novos compostos. Testes clínicos com as substâncias em seres humanos devem começar em até dois anos, disse o pesquisador.


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