|
Próximo Texto | Índice
BIOQUÍMICA
Grupo descobre compostos que controlam molécula aparentada com a droga e produzida no sistema nervoso
"Maconha" do cérebro combate ansiedade
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Os cientistas vêm tentando há
anos encontrar formas de aproveitar as propriedades calmantes
da maconha sem os efeitos colaterais da droga. Um grupo da Itália
e dos Estados Unidos parece ter
resolvido o problema: seus integrantes conseguiram combater
ansiedade em roedores controlando a ação da anandamida, a
"maconha" natural do cérebro.
A anandamida é um mensageiro químico do sistema nervoso
que se parece muito com o THC,
princípio ativo da maconha. Ambas as substâncias agem sobre o
mesmo tipo de fechadura molecular das células nervosas (os chamados receptores de canabinóides), daí os pesquisadores acharem que elas desempenham basicamente as mesmas funções.
Só que, diferentemente do THC,
a anandamida (cujo nome vem
do sânscrito "ananda", êxtase) é
degradada de modo rápido nas
células após cumprir sua função.
Num estudo publicado ontem
na edição on-line da revista "Nature Medicine" (www.nature.com/nm), uma equipe coordenada pelo italiano Daniele Piomelli,
da Universidade da Califórnia em
Irvine (EUA), afirma ter descoberto duas moléculas que impedem a quebra imediata da substância, dando a ela mais tempo de
agir -e de causar o famoso efeito
ansiolítico.
As duas substâncias têm os nomes indigestos de URB532 e
URB597. Elas bloqueiam a atividade da enzima FAAH, responsável por destruir a anandamida.
Testadas em ratos e camundongos, elas produziram efeito tranquilizante parecido com o dos
benzodiazepínicos, a categoria
mais comum de calmante.
Labirinto
Um dos testes consistia em deixar os animais num labirinto circular conhecido como labirinto-zero. A estrutura tem duas seções
abertas e duas fechadas, e o grau de ansiedade
dos animais pode ser avaliado em
razão do tempo que eles passam
nas partes abertas -roedores geralmente têm medo delas.
No labirinto-zero, os animais
que receberam injeção das novas
drogas passaram a frequentar as
partes abertas como se estivessem
sob efeito de calmantes.
Num outro teste, contou-se o
número de gritos de filhotes de
camundongo separados da mãe.
De novo, animais que haviam recebido injeções das drogas ficavam mais calmos.
"Elas são comparáveis em termos de potência a benzodiazepínicos como o diazepam, embora
atuem de outra maneira", disse
Piomelli à Folha, por e-mail.
No entanto, as drogas que potencializam a ação da anandamida não provocaram os efeitos colaterais típicos dos benzodiazepínicos e da própria maconha, como sonolência, apetite excessivo,
lentidão de reflexos e alterações
de percepção.
"A anandamida não parece dar
"barato", mas influenciar humor e
dor", afirmou. Piomelli diz não
saber ainda se as novas substâncias têm algum outro tipo de efeito tóxico, ainda desconhecido.
"Provavelmente sim, como todas
as drogas. Mas o único jeito de
descobrir é por meio de testes toxicológicos, algo que pretendemos fazer num futuro próximo."
Maconha e chocolate
Piomelli, 44, há 15 anos radicado
nos EUA, tem se debruçado sobre
a "molécula do êxtase" desde sua
descoberta, em 1992. Em 1995, ele
descobriu a enzima FAAH. Um
ano mais tarde, mostrou que o
chocolate possui compostos bastante parecidos com a "maconha"
do cérebro e com os bloqueadores
da FAAH, o que poderia explicar
por que chocolate vicia.
"Era lógico que começássemos,
a partir daí, a tentar identificar os
inibidores", afirmou. Piomelli
conta que foram necessários dois
anos de trabalho "e muita sorte"
para sintetizar os novos compostos. Testes clínicos com as substâncias em seres humanos devem
começar em até dois anos, disse o
pesquisador.
Próximo Texto: Panorâmica - Biotecnologia: Canola transgênica produz híbrido tóxico Índice
|