São Paulo, domingo, 04 de janeiro de 2004

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Para geneticista da UFMG, "Folha Explica: Os Clones" tem limitações, mas é útil para quem busca informação sobre mamíferos "copiados"

O fascínio dos clones

Sérgio Danilo Pena
especial para a Folha

Em 1964, aos 16 anos, ganhei um pequeno livro de Isaac Asimov chamado "O Código Genético". Encantado, li todo o texto em uma única noite. Ao terminar, eu já havia decidido qual seria meu futuro: tornar-me um geneticista e trabalhar com biologia molecular.
Esse episódio demonstra de maneira admirável o grande poder transformador de um bom livro de divulgação científica. Asimov, que escreveu mais de 500 obras sobre os temas mais variados, provavelmente foi o mais prolífico divulgador de ciência de todos os tempos e certamente um dos mais claros. A idéia de levar ciência para fora da academia e alcançar diretamente o grande público (ou seja, a construção de pontes de marfim) é irresistível para o Pigmalião que habita cada um de nós. Por isso, esse desafio de popularizar a ciência atraiu grandes nomes, da estirpe de Thomas Huxley, George Gamow, J.B.S. Haldane e Bertrand Russell.
O que caracteriza um bom livro de divulgação científica? Após meditar a respeito, consegui listar seis parâmetros principais: o livro tem de ser cientificamente correto, de leitura interessante e preferencialmente arrebatadora, cristalinamente bem explicado, simples, pequeno e, sobretudo, barato.
"Os Clones", de Marcia Lachtermacher-Triunfol, é um livro de divulgação científica da série "Folha Explica", da Editora Publifolha. O livro é em formato pequeno (11 cm X 18 cm) e tem aproximadamente cem páginas de texto. Analisei "Os Clones" de acordo com os seis parâmetros listados acima.
Certamente o livro é, em essência, cientificamente correto e atualizado. É certo que há deslizes pequenos: o cientista Bert Vogelstein é chamado duas vezes de Volgstein, e na pág. 62 se discute a clonagem de um panda gigante no "óvulo de um coelho" e depois a implantação de um embrião de panda em "um gato". Certamente a autora se refere a uma coelha e a uma gata. Também, ocasionalmente, o livro sai da divulgação científica e passa à esfera da ficção científica, como quando trata como trivial a troca de um cromossomo X de um embrião clonado de fêmea por um cromossomo Y para produzir um animal masculino.
É a leitura interessante e arrebatadora? Infelizmente não, embora o tema seja fascinante. Isso decorre do fato de que "Os Clones" não é nem simples nem cristalinamente bem explicado. As complicações vêm do fato de que a autora fez questão de tentar explicar cada pequeno detalhe biológico relacionado com a clonagem, e o texto consequentemente ficou cansativamente truncado. A arte de um bom livro de divulgação depende exatamente de distinguir qual conhecimento é essencial e tem de ser incluído e qual não é.


"Um livro de divulgação tem de ser correto, interessante, arrebatador, bem explicado, simples, pequeno e barato"


Por exemplo, na minha opinião discussões da estrutura do DNA são desnecessárias em um livro de divulgação sobre clonagem. Mas a situação se complica muito mais, principalmente na segunda parte do livro. A autora, por exemplo, decide usar o polimorfismo delta32 no gene CCR5 humano para explicar a importância da diversidade genética e nisso gasta duas páginas. Há milhares de exemplos infinitamente melhores e mais simples. Da mesma maneira, é desnecessário invocar as síndromes de Angelman e Prader-Willi para explicar o "imprinting genômico", e interessa muito pouco ao leigo saber que o motivo de repetição telomérica em paramécio é TTGGG (na verdade é TTGGGG). O capítulo de bioética é muito pequeno e parece mais uma concessão ao que é esperado no índice de um livro de clonagem. Faltou também um pouco de contexto social moderno. Interessaria para o leigo saber que Severino Antinori e os raelianos são vigaristas que exploram a mídia sensacionalista e crédula e provavelmente jamais tiveram intenção real de produzir um clone humano.
Finalmente, ajudaria muito se o livro fosse mais bem ilustrado: além da inevitável (mas sempre simpática) foto de Dolly, há só duas figuras, ambas pequenas e sem legenda explicativa. A segunda se refere a técnicas de terapia celular, mas foi inserida na discussão sobre clonagem reprodutiva.
O livro certamente é pequeno e pode ser lido de uma assentada em uma noite chuvosa. O preço de R$12,90 parece salgado para o grande público.
Não podemos nunca nos perder em elucubrações do que é imaginado e ideal ao avaliar o que é real e concreto. Einstein já dizia que, comparada à complexidade do Universo, nossa ciência parece limitada e pueril, mas ela ainda é a melhor coisa que temos. Certamente o livro "Os Clones" tem limitações, mas ainda constitui uma obra de divulgação correta, honesta e informativa. Assim, não hesito em recomendar o livro ao leigo inteligente que esteja procurando uma introdução ao fascinante e fervilhante tópico da clonagem de mamíferos.

Sérgio Danilo Pena é professor titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)

Folha Explica: Os Clones
de Marcia Lachtermacher-Triunfol


112 págs. R$ 12,90
Onde comprar: www.publifolha.com.br



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