São Paulo, quarta-feira, 04 de fevereiro de 2004

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ASTRONOMIA

Grãos enterrados em meteoritos contam a vida de astros que cederam material à formação do Sistema Solar

Poeira estelar revela antepassada do Sol

SALVADOR NOGUEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Para quem gosta de mistérios, é um prato cheio. Essas estrelas nasceram, viveram, morreram e há muito foram perdidas. Seus restos encontraram abrigo na nuvem de gás e poeira que mais tarde daria origem ao Sol e a seus planetas. O que se pode dizer a respeito desses astros imersos no esquecimento? O químico Michael Savina procura as respostas dentro de um meteorito.
Os segredos estão encerrados num fragmento de rocha espacial caída na Terra por acidente, formada durante a época em que o Sistema Solar nasceu, cerca de 4,7 bilhões de anos atrás. Trabalhando no Laboratório Nacional de Argonne, EUA, Savina e seus colegas procuram pequenos grãos de poeira estelar de carboneto de silício que possam estudar. Esses grãos foram formados no interior de outras estrelas, que hoje nem estão mais por aí.
"Essas estrelas cuspiam uma porção de matéria e parte dela foi parar na nuvem que depois formou o Sol", diz o cientista. Com isso, acabou integrada a alguns corpos antigos do Sistema Solar e preservada em seu interior.
O trabalho de Savina é tirá-la do interior do meteorito e trazê-la para a luz, revelando dados sobre as estrelas que antes habitaram essa região do espaço e ajudando a entender como esses astros fazem para produzir núcleos atômicos pesados a partir de elementos mais leves -processo a que se dá o nome de nucleossíntese.
O estudo fez pela primeira vez uma análise específica da presença de um elemento pesado chamado rutênio nos grãos de poeira estelar. Comparando a presença, em diferentes proporções, de várias versões do átomo (com mais ou menos nêutrons), chegaram à conclusão de que os grãos haviam pertencido a gigantes vermelhas, não muito diferentes do que o Sol será em 5 bilhões de anos.
"Eram bem parecidas com o Sol, mas maiores. Não muito, coisa de duas vezes", diz Savina.
Os resultados foram compatíveis com os obtidos por outros cientistas a partir da análise de outros elementos químicos também extraídos de grãos de poeira estelar, como molibdênio e zircônio. Ajudaram a confirmar os modelos que indicam como ocorreria a nucleossíntese em estrelas desse tipo. Mas o grupo agora busca refinar ainda mais sua técnica, para passar a trabalhar na busca por átomos de chumbo.
"O chumbo serve como um cronômetro, que podemos usar para datar a época em que esses grãos foram formados", diz Savina. Seria uma maneira de descobrir quando essas estrelas precursoras do Sol viveram e morreram.
A chave do "cronômetro atômico" é que o chumbo na verdade é uma versão do urânio, mais pesado, que perdeu prótons. Esse processo de decaimento radiativo acontece num ritmo extremamente lento, comparável ao tempo de vida das estrelas. Comparando as quantidades de urânio e chumbo presentes nesses grãos, seria possível dizer exatamente quando eles foram forjados.
Savina já fez algumas tentativas, mas não teve sucesso. "Até agora, o que aprendemos é que não temos equipamento para detectar as quantidades diminutas de chumbo necessárias", diz, rindo. "Estamos desmontando todo o equipamento no laboratório, para torná-lo 30 vezes mais potente. Aí faremos uma nova tentativa e talvez tenhamos mais sorte."
Outra coisa que pode ser investigada sobre o passado pré-solar é o evento que levou à condensação do Sol. "Nos modelos, a não ser que alguma coisa aconteça, normalmente a nebulosa não entra em colapso e não forma uma estrela", explica o pesquisador.
"Pode ser que a ejeção de matéria de estrelas AGB [tipo de gigante vermelha] sirva como gatilho. Os resultados mais novos apontam para as supernovas. Mas isso é algo ainda muito debatido."


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