São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2005

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ANTROPOLOGIA

Estudo confirma que "hobbit" é nova espécie

Reconstituição mostra cérebro avançado em hominídeo-anão

"Science"
Reconstituição de crânio e cérebro de fêmea de Homo floresiensis, hominídeo-anão da Indonésia


CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA

Pequenas cabeças nem sempre são sinônimo de idéias limitadas. A reconstituição do cérebro de um hominídeo de um metro de altura que habitou a ilha indonésia de Flores há 18 mil anos revela um indivíduo de comportamento sofisticado, capaz de planejar suas ações e tomar iniciativas -e que provavelmente era canhoto.
O estudo parece resolver, ainda, uma das maiores controvérsias em torno do fóssil, batizado Homo floresiensis: ele descarta a hipótese, proposta por alguns pesquisadores, de que a criatura seja só um humano moderno portador de uma doença que causa uma redução no cérebro. Até prova em contrário, trata-se mesmo de uma espécie à parte.
Um grupo internacional de cientistas liderado pela antropóloga Dean Falk, da Universidade do Estado da Flórida (EUA), usou técnicas de tomografia computadorizada para recriar virtualmente o sistema nervoso do Homo floresiensis, apelidado de "hobbit". O hominídeo-anão, cujos restos foram descritos por uma equipe australo-indonésia no ano passado, vem sendo considerado uma das descobertas mais sensacionais da antropologia nas últimas décadas, devido ao seu porte diminuto e à época em que viveu -até pouco tempo antes da invenção da agricultura.
Os cientistas descobriram que, apesar de ter o tamanho de um chimpanzé (417 centímetros cúbicos, contra 1.500 centímetros cúbicos de um humano moderno), o cérebro do hominídeo de Flores tinha uma série de características que o aproximavam do Homo sapiens e do Homo erectus, espécie considerada o parente mais próximo do tampinha.

Rugas
Entre esses traços está um grau alto de enrugamento do córtex (área do cérebro relacionada à inteligência), que em humanos modernos significa mais área disponível para processar informações. Também foi localizada uma estrutura cerebral relacionada ao planejamento de ações futuras.
O estudo do grupo de Falk, publicado ontem on-line na revista científica "Science" (www.sciencexpress.org), ajuda a solucionar vários mistérios sobre o hominídeo de Flores. O primeiro diz respeito à aparente contradição entre o comportamento do "hobbit" -que fazia instrumentos de pedra e caçava elefantes-pigmeus- e o tamanho de sua cabeça.
Na evolução humana, geralmente tamanho de cérebro é documento: os hominídeos foram ficando mais inteligentes à medida que esse órgão crescia. O anão de Flores, portanto, parecia contradizer o registro fóssil.
"Eu achava que nós fôssemos encontrar um cérebro de chimpanzé", disse Falk ontem a jornalistas. "Eu estava errada."
Apesar de o cérebro não se conservar num fóssil, ele deixa marcas nas paredes do crânio durante a vida. Foi olhando essas marcas que a pesquisadora americana conseguiu reconstituir em computador a forma do sistema nervoso central do "hobbit".
Em seguida, ela comparou o molde virtual a modelos semelhantes de chimpanzés, australipitecos, humanos modernos saudáveis, pigmeus e portadores de microcefalia -doença que causa redução no tamanho do cérebro.
Medições mostraram que o H. floresiensis tinha uma estrutura cerebral de hominídeo saudável. Falk afirma até mesmo ter detectado uma variação de tamanho numa parte do cérebro que no Homo sapiens está associada a indivíduos canhotos. "Eu juraria que esse indivíduo era canhoto? Não. Mas, se tivesse de apostar, diria que sim", afirmou a antropóloga à Folha, por telefone.
O estudo parece encerrar a controvérsia sobre se ele é um mini-hominídeo ou apenas um humano moderno com microcefalia.
"As formas do cérebro do H. floresiensis e de microcéfalos verdadeiros são totalmente diferentes. Mas há quem diga que esse pode ser um caso especial de microcefalia. O ônus da prova cabe a essas pessoas", afirmou Falk.
Ela sugere, ainda, uma hipótese alternativa para a evolução do homem de Flores. Em vez de ser uma versão encolhida do Homo erectus, como geralmente se acredita, o "hobbit" pode ser uma espécie-irmã daquele, compartilhando um mesmo ancestral. "Ele pode ser descendente de um hominídeo pequeno que encontrou em Flores um refúgio."


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