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EVOLUÇÃO
Pesquisas questionam "ilhas" ambientais que teriam favorecido diferenciação de espécies em áreas como a Amazônia
Estudos atacam teoria sobre biodiversidade
DA REPORTAGEM LOCAL
Ninguém sabe ao certo por que
a Amazônia e a América do Sul
em geral têm tantas espécies diferentes de animais e plantas, mas
dois novos estudos levantam dúvidas sobre uma das hipóteses
mais populares entre cientistas
dentro e fora do Brasil: a chamada
teoria dos refúgios.
Proposta em 1969 pelo alemão
Jürgen Haffer e concebida independentemente pelos brasileiros
Aziz Ab'Sáber e Paulo Vanzolini,
a teoria dos refúgios parte de
princípios que os biólogos sempre consideraram razoáveis.
A idéia emergiu da constatação
de que a Amazônia, embora pareça ser uma enorme floresta coesa,
possui várias espécies que estão
restritas a uma dada região, como
se houvesse territórios e fronteiras "respeitados" pelos organismos (endemismo). Para explicar
o fenômeno, considerava-se que,
no passado, essa separação tivesse
sido mais acentuada -e física.
Segundo a hipótese, no período
mais frio e seco entre 2 milhões e
10 mil anos atrás (no período geológico Pleistoceno), a floresta
amazônica teria encolhido, deixando apenas um agrupamento
de manchas de mata cerrada -os
tais "refúgios"- separadas por
extensas áreas de vegetação mais
rala, como cerrados ou savanas.
A favor de Darwin
Com o isolamento das áreas florestais, as espécies passariam a
evoluir em direções diversas,
multiplicando a variedade biológica. Quando a floresta voltasse a
se expandir para ocupar todo o
território, formaria a enorme salada regional que se observa hoje.
A noção de que o isolamento
poderia ter como efeito colateral a
multiplicação das espécies faz
muito sentido dentro do modelo
darwiniano de evolução. Mas o
fato de concordar com a teoria de
Charles Darwin (1809-1882) não é
garantia de que a megadiversidade biológica tenha surgido por esses mecanismos.
O estudo feito por Peter Wilf, da
Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), e colegas, publicado
hoje na revista americana "Science" (www.sciencemag.org), parece sugerir a existência de outro
mecanismo igualmente eficiente
capaz de produzir esses resultados. Resta ainda identificar qual
teria sido essa mágica.
A pesquisa documenta folhas
fossilizadas de 102 espécies de
planta, seres que viveram há 52
milhões de anos. O material foi
achado em Laguna del Hunco,
Patagônia, região hoje fria do continente sul-americano que naquela época era um paraíso tropical (a
distribuição dos continentes no
globo era diferente).
Embora não digam respeito à
Amazônia diretamente, os resultados são bem sugestivos, segundo Wilf. "A teoria de refúgios é
uma das muitas idéias sobre como a diversidade evoluiu", diz. "O
que apontamos no artigo é que todas as explicações para a diversidade neotropical invocam eventos geologicamente recentes, como a Era do Gelo ou o soerguimento dos Andes, mas temos a
primeira evidência quantitativa
para a diversidade antes dos Andes ou da Era do Gelo."
Outro estudo, publicado na edição deste mês da revista "Geology" (www.gsajournals.org),
corrobora a dúvida. Feito por
uma dupla de americanos a partir
de coleta e análise de solos da
Amazônia, sugere que a deposição de matéria orgânica foi essencialmente igual ao longo de 70 mil
anos. "Não é a primeira vez que
surge uma evidência de que a floresta não sofreu alterações nos últimos milhares de anos", diz José
Maria Cardoso, um especialista
em biodiversidade da ONG Conservation International do Brasil.
Falsa polêmica
Para Cardoso, que fez doutorado sobre o caso da Amazônia, a
questão dos refúgios é uma falsa
polêmica. Alguns ainda a defendem, mas não muitos, segundo
ele. "Essa questão já foi resolvida
nos anos 80. O modelo original
dos refúgios não funciona."
Alguns pesquisadores, como a
brasileira Maria Lúcia Absy e o
holandês Thomas van der Hammen, ainda defendem a hipótese
de Haffer, Vanzolini e Ab'Sáber e
rejeitam os resultados dos principais opositores da teoria.
Outros preferem uma posição
mais moderada. É o caso de Sandra Knapp, do Museu de História
Natural de Londres, uma das convidadas para comentar o estudo
de Wilf na "Science". "O debate
sobre os refúgios ainda é interessante, mas certamente não é
quente. Evidências -boas, sólidas, indiscutíveis evidências, pró
ou contra- são muito esparsas",
afirma a pesquisadora britânica.
"A coisa sensata a fazer é não tentar apoiar uma teoria ou outra,
mas apenas ir lá fora e descobrir o
que vive nas florestas neotropicais
e como está distribuído."
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