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São Paulo, sexta-feira, 04 de abril de 2003

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EVOLUÇÃO

Pesquisas questionam "ilhas" ambientais que teriam favorecido diferenciação de espécies em áreas como a Amazônia

Estudos atacam teoria sobre biodiversidade

DA REPORTAGEM LOCAL

Ninguém sabe ao certo por que a Amazônia e a América do Sul em geral têm tantas espécies diferentes de animais e plantas, mas dois novos estudos levantam dúvidas sobre uma das hipóteses mais populares entre cientistas dentro e fora do Brasil: a chamada teoria dos refúgios.
Proposta em 1969 pelo alemão Jürgen Haffer e concebida independentemente pelos brasileiros Aziz Ab'Sáber e Paulo Vanzolini, a teoria dos refúgios parte de princípios que os biólogos sempre consideraram razoáveis.
A idéia emergiu da constatação de que a Amazônia, embora pareça ser uma enorme floresta coesa, possui várias espécies que estão restritas a uma dada região, como se houvesse territórios e fronteiras "respeitados" pelos organismos (endemismo). Para explicar o fenômeno, considerava-se que, no passado, essa separação tivesse sido mais acentuada -e física.
Segundo a hipótese, no período mais frio e seco entre 2 milhões e 10 mil anos atrás (no período geológico Pleistoceno), a floresta amazônica teria encolhido, deixando apenas um agrupamento de manchas de mata cerrada -os tais "refúgios"- separadas por extensas áreas de vegetação mais rala, como cerrados ou savanas.

A favor de Darwin
Com o isolamento das áreas florestais, as espécies passariam a evoluir em direções diversas, multiplicando a variedade biológica. Quando a floresta voltasse a se expandir para ocupar todo o território, formaria a enorme salada regional que se observa hoje.
A noção de que o isolamento poderia ter como efeito colateral a multiplicação das espécies faz muito sentido dentro do modelo darwiniano de evolução. Mas o fato de concordar com a teoria de Charles Darwin (1809-1882) não é garantia de que a megadiversidade biológica tenha surgido por esses mecanismos.
O estudo feito por Peter Wilf, da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), e colegas, publicado hoje na revista americana "Science" (www.sciencemag.org), parece sugerir a existência de outro mecanismo igualmente eficiente capaz de produzir esses resultados. Resta ainda identificar qual teria sido essa mágica.
A pesquisa documenta folhas fossilizadas de 102 espécies de planta, seres que viveram há 52 milhões de anos. O material foi achado em Laguna del Hunco, Patagônia, região hoje fria do continente sul-americano que naquela época era um paraíso tropical (a distribuição dos continentes no globo era diferente).
Embora não digam respeito à Amazônia diretamente, os resultados são bem sugestivos, segundo Wilf. "A teoria de refúgios é uma das muitas idéias sobre como a diversidade evoluiu", diz. "O que apontamos no artigo é que todas as explicações para a diversidade neotropical invocam eventos geologicamente recentes, como a Era do Gelo ou o soerguimento dos Andes, mas temos a primeira evidência quantitativa para a diversidade antes dos Andes ou da Era do Gelo."
Outro estudo, publicado na edição deste mês da revista "Geology" (www.gsajournals.org), corrobora a dúvida. Feito por uma dupla de americanos a partir de coleta e análise de solos da Amazônia, sugere que a deposição de matéria orgânica foi essencialmente igual ao longo de 70 mil anos. "Não é a primeira vez que surge uma evidência de que a floresta não sofreu alterações nos últimos milhares de anos", diz José Maria Cardoso, um especialista em biodiversidade da ONG Conservation International do Brasil.

Falsa polêmica
Para Cardoso, que fez doutorado sobre o caso da Amazônia, a questão dos refúgios é uma falsa polêmica. Alguns ainda a defendem, mas não muitos, segundo ele. "Essa questão já foi resolvida nos anos 80. O modelo original dos refúgios não funciona."
Alguns pesquisadores, como a brasileira Maria Lúcia Absy e o holandês Thomas van der Hammen, ainda defendem a hipótese de Haffer, Vanzolini e Ab'Sáber e rejeitam os resultados dos principais opositores da teoria.
Outros preferem uma posição mais moderada. É o caso de Sandra Knapp, do Museu de História Natural de Londres, uma das convidadas para comentar o estudo de Wilf na "Science". "O debate sobre os refúgios ainda é interessante, mas certamente não é quente. Evidências -boas, sólidas, indiscutíveis evidências, pró ou contra- são muito esparsas", afirma a pesquisadora britânica. "A coisa sensata a fazer é não tentar apoiar uma teoria ou outra, mas apenas ir lá fora e descobrir o que vive nas florestas neotropicais e como está distribuído."


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