São Paulo, quarta-feira, 04 de abril de 2007

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Mosquito transgênico decola em 10 anos

Brasileiro que criou nos EUA inseto alterado resistente à malária diz que barreira ética é tão importante quanto a técnica

Para o bioquímico Marcelo Jacobs-Lorena, no entanto, resistência do público deve ser menor no caso do inseto que no da soja modificada

Divulgação
Marcelo Jacobs-Lorena, da Universidade Johns Hopkins, EUA


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Um velho sonho da humanidade, a erradicação da malária, ficou mais próximo da realidade graças a dois novos estudos que mostraram o potencial de uma nova e polêmica arma: o mosquito transgênico. Pesquisadores brasileiros têm destaque nessa área de pesquisa. Um deles é Marcelo Jacobs-Lorena, 65, da Universidade Johns Hopkins, de Baltimore (EUA).
"Fiquei surpreso com a repercussão", diz o pesquisador em entrevista à Folha. Ele estava em viagem na Suécia quando foi divulgado o artigo, publicado na revisa científica "PNAS", no último dia 21. O trabalho foi citado com destaque em todo o mundo -do jornal inglês "The Independent" à rede de TV árabe "Al-Jazira".
O estudo, que contou com a participação de Mauro Marrelli, da Faculdade de Saúde Pública da USP, mostrou que mosquitos modificados por engenharia genética para resistirem ao parasita conseguem se multiplicar mais rapidamente que o inseto "selvagem", transmissor da doença. Outro estudo, divulgado na semana passada, mostrou como seria possível a mosquitos transgênicos se espalharem.
Jacobs-Lorena se graduou no Instituto de Química da USP, mas fez carreira no exterior, primeiro em síntese de proteínas, depois em genética, trabalhando com moscas-da-fruta (Drosophila) e com mosquitos vetores de doença. Fez mestrado no Japão, doutorado nos EUA e pós-doutorado na Suíça. Está desde 2003 em Baltimore, de onde concedeu esta entrevista.
 

FOLHA - O sr. mostrou que um mosquito transgênico resistente ao parasita da malária compete com sucesso com os insetos transmissores. O que falta para que esse tipo de mosquito possa ser solto no ambiente para controlar a doença?
MARCELO JACOBS-LORENA
- Precisamos trabalhar em duas frentes: cientifica e ética. Na científica, nos faltam meios para introduzir genes refratários [de resistência à malária] em mosquitos da natureza. Nossos resultados demonstraram que os mosquitos transgênicos têm uma vantagem quando eles se alimentam com sangue infectado, mas pensamos que essa vantagem não seja de magnitude suficiente para que o gene se espalhe pela população dos mosquitos no campo. Na ética, precisamos trabalhar com a população que seria afetada pela soltura de mosquitos transgênicos e com governos, para assegurá-los que não haja riscos secundários significativos.

FOLHA- Em 1997, o pesquisador Frank H. Collins, da Universidade de Notre Dame, declarou que "controlar a malária com transgênicos é uma estratégia para o futuro, e é improvável que possa ser aplicada em pelo menos uma década". Já se passou uma década. Qual a sua estimativa para essa tecnologia ser usada?
JACOBS-LORENA
- É difícil fazer uma previsão, pois ainda não sabemos quais meios utilizaremos para introduzir genes refratários. Certamente, levará no mínimo mais uma década.

FOLHA- Seria viável disseminar mosquitos transgênicos levando-se em conta a grande extensão das áreas endêmicas? Ambientalistas que hoje já criticam a soja transgênica não se oporiam à idéia?
JACOBS-LORENA
- As grandes extensões da área de transmissão não são um empecilho muito grande, pois os mosquitos não se espalham facilmente. A objeção dos chamados "ecologistas" poderia ser uma barreira importante. Uma vantagem que temos em relação à soja é que tentamos salvar vidas, enquanto plantas transgênicas visam somente vantagem financeira.

FOLHA - Como genes que tornam os mosquitos refratários ao parasita poderiam passar a populações de mosquitos selvagens?
JACOBS-LORENA
- Não acho que as soluções propostas (elementos de transposição, bactérias Wolbachia, etc) tenham muita chance de sucesso. Pensamos que, a curto prazo, a paratransgênese (introduzir bactérias geneticamente modificadas no intestino do mosquito) tem mais chance.

FOLHA - Na edição da "Science" do último dia 30 foi feita uma sugestão, baseada em estudo com drosófilas, de que uma classe de "genes egoístas" poderia dar conta do recado. Qual a sua opinião?
JACOBS-LORENA
- Eu li esse artigo e gostei. Se essa tecnologia pudesse ser transferida aos mosquitos, haveria uma possibilidade de sucesso bem maior.

FOLHA - Qual estratégia é melhor: vacinar humanos ou desenvolver a resistência nos insetos?
JACOBS-LORENA
- Os meios que temos hoje para lutar contra a doença são extremamente limitados: drogas que matam o parasita no ser humano e inseticidas que matam os mosquitos. Há dificuldades com ambos, principalmente com resistência. Quanto mais armas tivermos, maior será a chance de sucesso. Por isso penso que devemos trabalhar ao mesmo tempo nas duas frentes.


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