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Morre o geneticista Crodowaldo Pavan, 89
Pioneiro da genética no Brasil, cientista foi o primeiro a demonstrar que nem todas as células têm a mesma quantidade de DNA
Ex-presidente do CNPq e da
SBPC, conhecido por suas
opiniões fortes, pesquisador
treinou uma geração de
biólogos no Brasil e nos EUA
Reprodução
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Crodowaldo Pavan (à esq.) manipula amostra de material biológico em seu laboratório, em 1955 |
DA REPORTAGEM LOCAL
Morreu ontem aos 89 anos
em São Paulo o biólogo Crodowaldo Pavan, um dos pioneiros
da genética no Brasil.
Nascido em Campinas em 1º
de dezembro de 1919, Pavan era
professor da USP e ex-presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) e da
SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Pertenceu à primeira turma de geneticistas formados no país e
foi um dos articuladores no estabelecimento desta área de
pesquisa no Brasil. Velado desde ontem à tarde no anfiteatro
do Instituto de Biociências, Pavan será enterrado hoje no cemitério Getsêmani, às 11h.
O cientista, que estava internado no Hospital Universitário
por causa de complicações seguidas de uma cirurgia para extrair um câncer de próstata, havia sofrido um infarto do miocárdio uma semana atrás. "Em
um organismo já debilitado, seria uma coisa muito difícil de
superar", disse à Folha o cardiologista do Instituto do Coração Eduardo Moacyr Krieger, amigo do geneticista. "Ele
estava trabalhando em pesquisa até poucos meses atrás."
Krieger, ex-presidente da
Academia Brasileira de Ciências, diz que Pavan deixa um
importante legado na área de
política científica, além de trabalhos importantes. "O Pavan
sempre foi atuante, independentemente de ter posições
oficiais e ser presidente disto
ou daquilo. Não houve reunião
em que eu tivesse ido em que o
Pavan não pedisse para dar a
opinião dele, que era muito
enérgica", afirma.
Bagres e insetos
Antes de ser conhecido por
sua atuação política, Pavan já se
destacara em pesquisas sobre
genética animal, sob influência
de André Dreyfus, fundador do
Departamento de Genética da
USP e seu orientador de doutorado, no começo dos anos 1940.
"O trabalho foi sobre processos evolutivos de bagres cegos
das cavernas de Iporanga (SP) e
foi a primeira pesquisa importante na época mostrando alterações em indivíduos dentro de
um processo evolutivo desses
animais", conta André Perondini, professor de biologia da
USP e ex-aluno de Pavan.
Depois disso, o geneticista
concentrou seus trabalhos no
estudo de moscas drosófilas,
um animal-modelo importante
na genética. "O grupo dele fez
um levantamento das espécies
nativas de drosófilas de praticamente todo o Brasil", diz Perondini. "Foi algo muito importante na época em que o estudo
populacional de drosófilas estava ainda começando."
Ele entrou nessa área por influência do biólogo russo Theodosius Dobzhansky (1900-1975), um dos cientistas responsáveis por unificar a teoria
da evolução com a genética.
Dobzhansky veio ao Brasil
pela primeira vez em 1943, a
convite de Dreyfus. Estabeleceu-se ali uma relação com o
Brasil que duraria até os anos
1960 e que produziria a primeira geração de geneticistas brasileiros, entre os quais Pavan,
Oswaldo Frota-Pessoa e Antônio Brito da Cunha.
Dobzhansky orientou o pós-doutorado de Pavan, na Universidade Rockefeller, entre
1945 e 1947. Depois, Pavan viajou com o russo pela Amazônia
-ele dizia que o grande sonho
de Dobzhansky era conhecer a
floresta tropical.
Como geneticista e professor, trabalhou também na Unicamp e em instituições dos
EUA (Laboratório Nacional de
Oak Ridge e Universidade do
Texas). "Ele levou inúmeros
pesquisadores daqui do Brasil
para os EUA, e eles foram treinados lá", conta a geneticista
Mayana Zatz, pró-reitora de
pesquisa da USP.
Amplificação gênica
A principal contribuição de
Pavan à ciência veio nos anos
1950 -de um inseto. Estudando a mosca Rhynchosciara, da
Baixada Santista, Pavan descobriu um fenômeno que depois
foi batizado de "amplificação
gênica". Havia uma crença na
biologia segundo a qual todas
as células deveriam ter a mesma quantidade de DNA. O grupo de Pavan mostrou que existiam algumas exceções.
"A Rhynchosciara, entre outras qualidades, possui cromossomos tão grandes que,
numa infecção, podem ser vistos a olho nu. São os maiores
cromossomos conhecidos. Demorou oito anos para que minha hipótese -de que podia
haver mudança no número de
genes dentro do cromossomo
com o desenvolvimento do animal- fosse aceita", disse Pavan
em depoimento no livro "Cientistas do Brasil", de 1998.
Provocador, Pavan marcou a
memória de seus alunos também por sua irreverência. "Sua
principal característica era a
contestação: atacava toda afirmação que fosse minimamente
controversa", conta o biólogo
Aldo Malavasi, da USP, em artigo ontem no Jornal da Ciência,
da SBPC. "Provocava a todos,
dos garçons que o serviam aos
ministros de Estado."
Nas últimas duas décadas de
vida, ele continuou a mostrar
sempre com veemência suas
opiniões. Defendia a produção
de transgênicos e a proteção
aos produtos brasileiros, por
exemplo. Atacava a genômica.
"Esse pessoal do genoma não
sabe genética. Acha que genética é coisa de computador, mas
em biologia não existe um processo único, como nos computadores", afirmou Pavan à Folha, em 2001.
Chegou a ser vaiado, numa
reunião da SBPC em 1998, por
ter emitido opiniões a favor da
liberação da clonagem humana, desde que a técnica conseguisse se tornar segura.
O biólogo, que era viúvo, deixa três filhos.
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