São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009

Próximo Texto | Índice

Morre o geneticista Crodowaldo Pavan, 89

Pioneiro da genética no Brasil, cientista foi o primeiro a demonstrar que nem todas as células têm a mesma quantidade de DNA

Ex-presidente do CNPq e da SBPC, conhecido por suas opiniões fortes, pesquisador treinou uma geração de biólogos no Brasil e nos EUA

Reprodução
Crodowaldo Pavan (à esq.) manipula amostra de material biológico em seu laboratório, em 1955


DA REPORTAGEM LOCAL

Morreu ontem aos 89 anos em São Paulo o biólogo Crodowaldo Pavan, um dos pioneiros da genética no Brasil.
Nascido em Campinas em 1º de dezembro de 1919, Pavan era professor da USP e ex-presidente do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Pertenceu à primeira turma de geneticistas formados no país e foi um dos articuladores no estabelecimento desta área de pesquisa no Brasil. Velado desde ontem à tarde no anfiteatro do Instituto de Biociências, Pavan será enterrado hoje no cemitério Getsêmani, às 11h.
O cientista, que estava internado no Hospital Universitário por causa de complicações seguidas de uma cirurgia para extrair um câncer de próstata, havia sofrido um infarto do miocárdio uma semana atrás. "Em um organismo já debilitado, seria uma coisa muito difícil de superar", disse à Folha o cardiologista do Instituto do Coração Eduardo Moacyr Krieger, amigo do geneticista. "Ele estava trabalhando em pesquisa até poucos meses atrás."
Krieger, ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências, diz que Pavan deixa um importante legado na área de política científica, além de trabalhos importantes. "O Pavan sempre foi atuante, independentemente de ter posições oficiais e ser presidente disto ou daquilo. Não houve reunião em que eu tivesse ido em que o Pavan não pedisse para dar a opinião dele, que era muito enérgica", afirma.

Bagres e insetos
Antes de ser conhecido por sua atuação política, Pavan já se destacara em pesquisas sobre genética animal, sob influência de André Dreyfus, fundador do Departamento de Genética da USP e seu orientador de doutorado, no começo dos anos 1940.
"O trabalho foi sobre processos evolutivos de bagres cegos das cavernas de Iporanga (SP) e foi a primeira pesquisa importante na época mostrando alterações em indivíduos dentro de um processo evolutivo desses animais", conta André Perondini, professor de biologia da USP e ex-aluno de Pavan.
Depois disso, o geneticista concentrou seus trabalhos no estudo de moscas drosófilas, um animal-modelo importante na genética. "O grupo dele fez um levantamento das espécies nativas de drosófilas de praticamente todo o Brasil", diz Perondini. "Foi algo muito importante na época em que o estudo populacional de drosófilas estava ainda começando."
Ele entrou nessa área por influência do biólogo russo Theodosius Dobzhansky (1900-1975), um dos cientistas responsáveis por unificar a teoria da evolução com a genética.
Dobzhansky veio ao Brasil pela primeira vez em 1943, a convite de Dreyfus. Estabeleceu-se ali uma relação com o Brasil que duraria até os anos 1960 e que produziria a primeira geração de geneticistas brasileiros, entre os quais Pavan, Oswaldo Frota-Pessoa e Antônio Brito da Cunha.
Dobzhansky orientou o pós-doutorado de Pavan, na Universidade Rockefeller, entre 1945 e 1947. Depois, Pavan viajou com o russo pela Amazônia -ele dizia que o grande sonho de Dobzhansky era conhecer a floresta tropical.
Como geneticista e professor, trabalhou também na Unicamp e em instituições dos EUA (Laboratório Nacional de Oak Ridge e Universidade do Texas). "Ele levou inúmeros pesquisadores daqui do Brasil para os EUA, e eles foram treinados lá", conta a geneticista Mayana Zatz, pró-reitora de pesquisa da USP.

Amplificação gênica
A principal contribuição de Pavan à ciência veio nos anos 1950 -de um inseto. Estudando a mosca Rhynchosciara, da Baixada Santista, Pavan descobriu um fenômeno que depois foi batizado de "amplificação gênica". Havia uma crença na biologia segundo a qual todas as células deveriam ter a mesma quantidade de DNA. O grupo de Pavan mostrou que existiam algumas exceções.
"A Rhynchosciara, entre outras qualidades, possui cromossomos tão grandes que, numa infecção, podem ser vistos a olho nu. São os maiores cromossomos conhecidos. Demorou oito anos para que minha hipótese -de que podia haver mudança no número de genes dentro do cromossomo com o desenvolvimento do animal- fosse aceita", disse Pavan em depoimento no livro "Cientistas do Brasil", de 1998.
Provocador, Pavan marcou a memória de seus alunos também por sua irreverência. "Sua principal característica era a contestação: atacava toda afirmação que fosse minimamente controversa", conta o biólogo Aldo Malavasi, da USP, em artigo ontem no Jornal da Ciência, da SBPC. "Provocava a todos, dos garçons que o serviam aos ministros de Estado."
Nas últimas duas décadas de vida, ele continuou a mostrar sempre com veemência suas opiniões. Defendia a produção de transgênicos e a proteção aos produtos brasileiros, por exemplo. Atacava a genômica. "Esse pessoal do genoma não sabe genética. Acha que genética é coisa de computador, mas em biologia não existe um processo único, como nos computadores", afirmou Pavan à Folha, em 2001.
Chegou a ser vaiado, numa reunião da SBPC em 1998, por ter emitido opiniões a favor da liberação da clonagem humana, desde que a técnica conseguisse se tornar segura.
O biólogo, que era viúvo, deixa três filhos.


Próximo Texto: Repercusão
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.