São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

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HEGEMONIA TECNOLÓGICA

Norte-americanos estão perdendo terreno para europeus e asiáticos em patentes e publicações

Domínio dos EUA em pesquisa está caindo

WILLIAM J. BROAD
DO "NEW YORK TIMES"

Os Estados Unidos começaram a perder sua dominância global em áreas críticas de ciência e inovação, segundo especialistas go governo federal e privados. Eles apontam fortes evidências disso, como os prêmios concedidos a norte-americanos e o número de artigos publicados em revistas científicas de impacto.
Avanços estrangeiros em ciência básica já rivalizam ou mesmo superam os dos EUA, que aparentemente têm pouca consciência pública da tendência ou de suas implicações para o emprego, a indústria, a segurança nacional e o vigor da vida cultural e intelectual norte-americana.
"O restante do mundo está nos alcançando", disse John E. Jankowski, um analista sênior da Fundação Nacional de Ciência (NSF), a agência federal norte-americana que acompanha tendências científicas. "A excelência científica não é mais um domínio exclusivo dos Estados Unidos."
Até os analistas preocupados com as tendências admitem que uma expansão do acervo mundial de cérebros, com novas estratégias, poderia revigorar a luta contra doenças, desenvolver novas fontes de energia e enfrentar complicados problemas ambientais. Mas os lucros dos avanços provavelmente ficarão fora dos EUA, e o país vai enfrentar competição por talentos científicos e espaço para exibir seu trabalho em revistas científicas renomadas.
Uma área de competição internacional é a de patentes. Os norte-americanos ainda recebem um número enorme delas, mas a porcentagem está caindo. Especialmente os asiáticos se tornaram mais ativos e em algumas áreas tomaram a liderança na inovação. A participação norte-americana em patentes industriais usadas no país caiu de forma constante nas últimas décadas e está em 52%.
A Europa e a Ásia estão em ascensão, dizem os analistas, embora suas conquistas passem despercebidas nos EUA. Em março, cientistas europeus anunciaram que uma de suas sondas planetárias detectou metano na atmosfera de Marte -possível sinal de que micróbios vivem sob a superfície do planeta. A descoberta rendeu manchetes de Paris a Melbourne, mas a maioria dos norte-americanos, bombardeada com as imagens dos jipes dos EUA no planeta vermelho, perdeu as notícias estrangeiras.

Aposta de 27 km
Agressiva, a Europa busca dominar a física de partículas construindo a mais poderosa máquina de colidir átomos, com inauguração marcada para 2007. Seu túnel circular tem 27 quilômetros.
Analistas dizem que o empurrão da Ásia rumo à excelência promete ser ainda mais desafiador. "É inacreditável", diz Diana Hicks, da Escola de Políticas Públicas do Instituto de Tecnologia da Geórgia, sobre o crescimento da Ásia em ciência e inovação. "É impressionante ver esses números de publicação de estudos e patentes crescendo tão rápido."
Analistas dizem que o declínios comparativo é resultado inevitável dos padrões de vida crescentes ao redor do globo. "Tem tudo a ver com a dinâmica da globalização", disse Jack Fritz, representante sênior da Academia Nacional de Engenharia.
A mudança de status dos EUA não passou despercebida pelos políticos, com os democratas no ataque e a Casa Branca na defensiva. "Estamos em um momento crucial", disse o senador Tom Daschle (Dakota do Sul), líder democrata no Senado, em um fórum de políticas públicas em Washington, na Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), principal agremiação científica do país.
"Há sinais perturbadores de que a posição dominante da América no mundo científico está sendo sacudida." Daschle acusou a administração Bush de enfraquecer a base científica do país ao não conseguir fornecer dinheiro suficiente para pesquisa de ponta.
O consultor científico de Bush, John H. Marburger 3º, que esteve presente ao fórum, negou veementemente a acusação, dizendo numa entrevista que o orçamento geral de pesquisa durante a administração Bush bateu recordes e que a base científica é forte.
"O céu não está caindo sobre a ciência", disse Marburger. "Talvez haja algumas nuvens -não, coisas que exijam atenção." Os EUA estão aptos a lidar com qualquer problema, disse, para poder manter a vitalidade dos empreendimentos de pesquisa.

Patentes
Estrangeiros estão tomando um papel cada vez mais importante em patentes, que são a expressão da criatividade industrial. Em estudo recente, a consultoria CHI Research descobriu que pesquisadores no Japão, em Taiwan e na Coréia do Sul já respondem por mais de um quarto de todas as patentes industriais concedidas a cada ano nos EUA.
Além disso, suas taxas de crescimento são espantosas. Entre 1980 e 2003, a Coréia do Sul foi de 0 a 2% do total; Taiwan, de 0 a 3%; e o Japão, de 12% a 21%.
No mês passado, a AAAS disse que a administração Bush, para cumprir a sua promessa de reduzir pela metade o déficit nacional nos próximos cinco anos, precisaria cortar financiamento à pesquisa em 21 de 24 agências federais -exceto as envolvidas em espaço e segurança nacional e doméstica.
Mais perturbadora para alguns especialistas é a probabilidade de uma perda acelerada de cientistas de qualidade. Pedidos de visto por estudantes de pós-graduação estrangeiros caíram 25%, em parte por causa do estrangulamento na distribuição de vistos após os ataques terroristas de 2001.
Shirley Ann Jackson, presidente da AAAS, disse que a queda de estudantes estrangeiros, o aparentemente declinante interesse de jovens norte-americanos em carreiras científicas e o envelhecimento da força de trabalho especializada eram, em conjunto, uma combinação perigosa. "Quem vai fazer a ciência deste milênio?"
Vários grupos privados, inclusive o Conselho sobre Competitividade, uma organização em Washington que persegue políticas para promover o vigor industrial, começaram a se mobilizar. "Muitos outros países perceberam que ciência e tecnologia são chaves para o crescimento econômico e a prosperidade", disse Jennifer Bond, vice-presidente do conselho para assuntos internacionais. "Eles estão nos alcançando."


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