São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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Marcelo Gleiser

Planetas-bebês


Os mesmos processos que formaram o nosso Sistema Solar formam outros

No ano de 1600, o monge italiano Giordano Bruno foi queimado vivo em meio a uma praça pública em Roma. Condenado como herege pela Inquisição, Bruno tinha idéias extremamente ousadas: duvidava da virgindade de Maria, da plausibilidade da Santíssima Trindade e acreditava na existência de outros planetas circundando estrelas pelo espaço afora. A existência de outros planetas ameaçava a hegemonia terrestre e sua importância teológica: se outras Terras existirem, talvez também existam outros seres. Nesse caso, existiram também outros Cristos? E se o cosmo fosse infinito, existiriam infinitos Cristos?
Apenas nove anos mais tarde, Galileu descobriria quatro luas circundando Júpiter (hoje sabemos que existem dezenas delas), demonstrando que, de fato, a Terra não era necessariamente o centro do cosmo.
Foram necessários 400 anos para que a hipótese de Bruno fosse verificada. Não a da virgindade de Maria (ou falta dela, mais precisamente), mas a da existência de outros planetas. A partir da década de 1990, observações astronômicas de alta precisão encontraram centenas de planetas circundando outras estrelas. Até agora são 228, e o número continuará a crescer. (O leitor interessado pode visitar o excelente portal www.exoplanets.org) Pela primeira vez na história da astronomia, foi confirmado que o nosso Sistema Solar não é especial: outras estrelas também têm a sua corte de planetas girando à sua volta.
O que ficou claro com essas descobertas foi a enorme variedade planetária. Cada um desses outros sistemas planetários é único: em uns, planetas gigantes circundam suas estrelas a distâncias comparáveis às de Mercúrio no nosso; em outros, estrelas bem maiores e bem menores do que o Sol também têm os seus planetas, alguns deles talvez até com água, como é o caso de um encontrado em torno da estrela Gliese 436. Ele tem massa 22,4 vezes maior do que a da Terra (comparável à de Netuno) e uma densidade média duas vezes maior que a da água: muito possivelmente, o planeta tem enormes quantidades de gelo.
Uma nova área de especialização surgiu devido a essas descobertas, a planetologia comparada, que visa estudar propriedades e características dos novos planetas, tendo em vista os processos de formação desses sistemas solares, sua composição química e, claro, a possibilidade de esses planetas terem vida. Para tal, astrônomos procuram por outras Terras, isto é, planetas que sejam rochosos feito o nosso e que estejam a distâncias de suas estrelas que permitam a existência de água líquida. Talvez existam formas de vida que fujam a essa regra, mas, dentro do que no momento podemos chamar de plausível, a vida precisa de água.
Até agora, ainda não foi encontrada uma outra Terra. Mas um dos princípios importantes na busca por vida extraterrestre é a identificação de traços comuns dentre os vários sistemas solares. Recentemente, dois grupos de astrônomos encontraram o que parecem ser planetas nascendo, girando em torno de duas estrelas ultrajovens.
Se as descobertas forem confirmadas, aprenderemos que os mesmos processos que formaram o nosso Sistema Solar formam outros, o que não é nada surpreendente. Afinal, as leis da física e da química funcionam em todo o cosmo. Portanto, para que outras Terras existam, basta que condições semelhantes às nossas sejam repetidas na imensidão do cosmo. Dado que na nossa galáxia existem em torno de 300 bilhões de estrelas, as chances de encontrarmos outras Terras é bem razoável. Arriscaria que é coisa para alguns anos, no máximo. Bruno ficaria satisfeito.


MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "A Harmonia do Mundo"

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