São Paulo, segunda-feira, 04 de maio de 2009

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Remédio inócuo se espalha mais facilmente, diz estudo

Tratamento que nunca chega à cura ganha exposição pública por mais tempo

Simulação matemática explica por que as práticas clínicas sem comprovação continuam a se espalhar na era da medicina científica


Stephen Shaver-09.jun.2002/France Presse
Feira chinesa vende barbatana de tubarão, suposto remédio

DA REPORTAGEM LOCAL

Com muita frequência, remédios alternativos falham em mostrar sucesso ao serem submetidos a testes clínicos. Mesmo assim, produtos de eficácia duvidosa -como extrato de Gingko biloba (receitado contra demências) e raspas de barbatana de tubarão (contra câncer)- parecem estar proliferando cada vez mais. Segundo um novo estudo, porém, não há contradição aí: é justamente pela qualidade de serem inócuas que essas "receitas milagrosas" ganham terreno.
Essa conclusão "contraintuitiva", conforme reconhecem os autores do trabalho, saiu de um modelo matemático que simula como a adoção de um determinado tratamento se dissemina numa sociedade. Em artigo científico na revista "PLoS ONE" (www.plosone.org) o biólogo e matemático Mark Tanaka, da Universidade de Nova Gales do Sul (Austrália) explica com mais dois colegas como chegou a esse resultado.
Segundo o pesquisador, a disseminação de práticas médicas sem comprovação de eficácia é, por um lado, um fenômeno ligado à automedicação. Por outro, inclui práticas de curandeirismo em comunidades onde não há médicos. Como pessoas tendem a aprender as coisas por imitação, os remédios que são usados de maneira crônica sem nunca levarem à cura tendem a ganhar mais propaganda, porque passam mais tempo sendo usados.
"Nós mostramos que os tratamentos que proliferam não são necessariamente aqueles mais eficazes em curar a doença", escrevem Tanaka e colegas. "Explicamos por que "tratamentos supersticiosos" com pouca eficácia e mesmo práticas inadequadas podem se espalhar em diversas condições." Assinam também o estudo o antropólogo Jeremy Kendal, da Universidade de Durham, e o biólogo Kevin Laland, da Universidade de Saint Andrews, ambas no Reino Unido.
A união de três especialidades científicas em um mesmo estudo ocorreu porque o trabalho é uma simulação estatística aplicada a fenômenos evolutivos de comportamento.
Os pesquisadores partem do princípio de que existe um tipo de "seleção natural" entre boas e más práticas. Quando se trata de interação social, porém, práticas nocivas podem ser mais "adaptadas" a sobreviver numa comunidade, desde que consigam se disseminar rápido.
Para formular a equação que levou a essa conclusão, os pesquisadores partiram do princípio de que o que torna um remédio popular é a "cópia não enviesada", ou seja, quanto mais um remédio aparece sendo usado por alguém, mais ele tende a ser adotado por outros.

Propaganda prolongada
"A cópia não enviesada de novos tratamentos pode frequentemente levar à prevalência de práticas ineficazes porque tais tratamentos são demonstrados com mais persistência do que as alternativas eficazes", escreve Tanaka.
Segundo o pesquisador, quando um remédio se mostra ineficaz para uma pessoa por longo tempo, é claro que tende a ser abandonado. No caso de alguns tratamentos, porém, a "propaganda" que o doente faz da droga inócua se prolonga por tanto tempo que a desistência só ocorre depois de muitas pessoas terem sido influenciadas, indica a simulação.
É um efeito estranho, similar às bizarrices descritas no best-seller "Freakonomics". A cópia não enviesada, porém, é uma "suposição simples" usada para a simulação, reconhece Tanaka. Ele defende, contudo, que o fenômeno "está próximo da realidade". O mesmo se aplica à popularidade de nomes de bebês e de raças de cachorros, diz o cientista. (RAFAEL GARCIA)



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