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+ Marcelo Gleiser
Horizontes perdidos
Será possível, com telescópios cada vez mais poderosos, observar a origem
do tempo?
O mar não termina além do horizonte. Na verdade, o horizonte não
existe: é apenas um círculo imaginário
criado pela posição do observador devido à curvatura da Terra. Caso o observador mude de posição, o horizonte
também muda, delimitando o que pode ser visto diretamente, um compromisso entre o fato de a Terra ser redonda e a trajetória reta da luz.
Em cosmologia também se define
um horizonte, conforme descrito na
coluna da semana passada: visto que o
Universo tem uma idade finita, definida como o tempo transcorrido entre
sua origem e hoje, em torno de 14 bilhões de anos, a distância ao nosso horizonte cósmico é de 14 bilhões de
anos-luz, ou o que a luz percorre em 14
bilhões de anos. Como nada pode viajar mais rápido do que a luz, o horizonte cósmico determina uma fronteira
absoluta do conhecimento: mesmo
que algo exista além dele, não podemos receber informação a respeito.
A situação é bem mais complexa -e
interessante- do que ocorre com o
mar. Afinal, com o mar podemos sempre mudar de posição para investigar o
que existe adiante. Com o Universo a
coisa é mais sutil. Devido ao fato de a
velocidade da luz ser finita, 300 mil
km/s, a informação de um objeto distante demora para chegar até nós. Por
exemplo, se o Sol explodir agora, só saberemos em oito minutos, o tempo para a luz viajar do Sol à Terra.
Já as estrelas mais próximas estão a
aproximadamente 4,5 anos-luz daqui,
enquanto Andrômeda, nossa galáxia
vizinha, está a 2 milhões de anos-luz.
Ao observamos Andrômeda, estamos
vendo-a como era há dois milhões de
anos, quando os primeiros hominídeos caminhavam sobre a Terra: olhar
para objetos cada vez mais distantes é
olhar cada vez mais para o passado.
Hoje, os astrônomos detectam radiação vinda de objetos a 13 bilhões de
anos-luz de distância, menos de um
bilhão de anos-luz da origem: o cosmo
em sua adolescência, as primeiras galáxias nascendo, juntamente com seus
milhões de estrelas. Será então possível, com telescópios cada vez mais poderosos, observar a própria origem do
universo, a origem do tempo?
Infelizmente não. Um pouco antes
do horizonte cósmico de 14 bilhões de
anos-luz encontramos outro horizonte, a fronteira do que é observável diretamente. Para vermos um objeto,
luz tem que viajar livremente entre ele
e nossos olhos (ou telescópios, dá no
mesmo). Considerando que o Universo está em expansão desde a sua origem, voltar à infância cósmica significa reverter a um passado onde galáxias
que hoje estão separadas por distâncias de milhões ou bilhões de anos-luz
estavam muito próximas.
Quando essas distâncias relativas
encolhem a um fator de mil, o Universo era tão pequeno que sua temperatura era também em torno de mil vezes maior. Isso porque a temperatura
aumenta quando a matéria é comprimida. A essas temperaturas, átomos
são dissociados e seus componentes,
elétrons e núcleos, passam a ser livres.
Ou seja, quando o cosmo tinha um milésimo do tamanho, podia ser descrito
como uma sopa de radiação, elétrons e
prótons interagindo a temperaturas
de milhares de graus. A radiação, cuja
porção visível chamamos de luz, não
podia mais viajar livremente, chocando-se constantemente com elétrons e
prótons. O Universo deixa de ser
transparente: durante sua infância o
cosmo era opaco. Essa transição ocorreu 300 mil anos após o Big Bang. Esse
período inicial só pode ser "observado" indiretamente, assim como os dinossauros: não precisamos estar lá para saber que existiram. O que não significa que não seria fantástico se pudéssemos. Sobre os possíveis fósseis
cósmicos, fica para outra semana.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim
da Terra e do Céu"
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