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Anticorpo derrota HIV e inspira vacina
Dois anticorpos isolados de paciente africano conseguem neutralizar várias cepas do vírus, devolvendo esperança de vacina
Moléculas se ligam a partes
de proteína da superfície do
vírus que não mudam; nova
técnica acelera busca de
mais anticorpos desse tipo
RICARDO MIOTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A busca até agora frustrada
por uma vacina contra a Aids
ganha alento com uma pesquisa divulgada ontem. Um grupo
internacional isolou dois anticorpos - ambos de um mesmo
doador, um homem africano -
capazes de neutralizar um amplo espectro de variedades do
HIV, vírus causador da doença.
Os anticorpos são moléculas
produzidas pelo sistema de defesa do corpo que lutam contra
bactérias, vírus e outros invasores. O HIV é mestre em driblar
essas moléculas.
Os anticorpos descobertos
pelos cientistas, batizados PG9
e PG16, são especiais porque
atacam uma região do HIV que
é comum à maioria das variedades do vírus. Foram testados
contra 162 linhagens, e conseguiram neutralizar mais de 120.
Uma quantidade alta e inédita.
Algumas poucas pessoas, como esse doador, produzem anticorpos que as protegem do
HIV naturalmente. Se, no futuro, for possível produzir uma
vacina que estimule a produção
deles em todos, as pessoas poderão ser imunizadas contra a
Aids. Nos casos do PG9 e do
PG16, a eficiência não chega a
100% - é de cerca de 80%. Mas
já seria um grande passo.
O HIV é um vírus altamente
mutante. As proteínas que ele
usa para se ligar às células humanas
mudam com tanta facilidade
que os anticorpos não consegue
reconhecê-las e se ligar a elas.
Essa é a principal barreira à
produção de uma vacina hoje.
A abordagem utilizada pelos
cientistas, então, é buscar exceções: pedaços dessas proteínas
que se mantenham idênticos
em todas cepas do vírus.
"Certamente vamos encontrar mais [anticorpos]. Isso deve acelerar o desenvolvimento
de uma vacina", diz Wayne
Koff, da Iavi (Iniciativa Internacional de Vacinas contra a
Aids, na sigla em inglês).
"A grande novidade foi que
eles, talvez os melhores cientistas do mundo na área, conseguiram desenvolver um meio
novo e eficiente de rastrear os
anticorpos", diz Ésper Kallás,
infectologista da USP.
"Se você pensar como uma
pescaria, nós estávamos, antes,
usando a isca errada para pescar anticorpos que funcionassem. Agora nós utilizamos uma
abordagem melhor, mapeamos
diretamente a capacidade que
os anticorpos tinham de bloquear a infecção por HIV. Para
isso, desenvolvemos um novo
teste. Ele abre novos caminhos", diz Christos Petropoulos, chefe da Monogram Biosciences, uma das empresas envolvidas na pesquisa.
Foram mais de 15 anos de
tentativas até que os cientistas
da Iavi, do Instituto de Pesquisas Scripps (EUA) e de duas
empresas de biotecnologia publicassem a descoberta, ontem,
no site do periódico "Science".
Futuro
Outros quatro anticorpos de
ação ampla contra o HIV já haviam sido isolados antes. Mas,
segundo os pesquisadores, eles
eram eficazes contra uma
quantidade bem menor de variedades do vírus. Além disso,
eles miravam regiões da superfície viral que se mostraram
menos expostas - e, por isso,
era mais difícil criar vacinas
que funcionassem. Os novos
anticorpos atacam regiões fáceis de se atingir.
O que precisa ser feito agora
é identificar os imunógenos relacionados aos novos anticorpos descobertos. Imunógenos
são os responsáveis por estimular o corpo a produzi-los.
Vacinando as pessoas, então,
seus corpos passariam a gerar
PG9, PG16 ou qualquer outro
anticorpo mais eficiente que
venha a ser descoberto.
As descobertas são impressionantes, mas não significam
que tudo vai dar certo.
No passado, vacinas antiaids
chegaram até a fase de testes
clínicos. Falharam. O caso mais
famoso foi a vacina da Merck,
em 2007. "Quem tomava vacina, dependendo do risco, tinha
até mais chance de ter vírus",
diz Ricardo Diaz, da Unifesp.
Ficou famosa a fala de Margaret Heckler, então secretária
de Saúde dos EUA, em 1984, dizendo que a vacina contra a
Aids estaria disponível em dois
anos. É uma demonstração do
quanto é difícil fazer uma que
funcione e como é imprevisível
saber quando isso acontecerá.
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