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São Paulo, terça-feira, 04 de novembro de 2003

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BIOÉTICA

Votação de resolução depois de amanhã pode banir técnica; países têm posições divergentes sobre uso terapêutico

ONU debate o veto à clonagem humana

KIRK SEMPLE
DO "NEW YORK TIMES"

Trace as linhas da ciência, da religião, da ética e da política, e no final elas vão se cruzar numa das questões mais disputadas aqui, atualmente: clonagem humana. "Entre as questões não-políticas, é a mais polêmica", disse recentemente Michele Montas, porta-voz da presidência da Assembléia Geral das Nações Unidas. "Ela sempre volta a ser debatida."
Os Estados que compõem a ONU terão uma nova chance de externar seus sentimentos sobre o tema depois de amanhã, quando examinarão duas resoluções opostas que propõem o banimento da clonagem humana -e tentarão estabelecer limites legais internacionais para o campo das ciências da vida.
Todos os Estados-membros concordam que a chamada clonagem reprodutiva (veja quadro à dir.), destinada a produzir uma criança com os mesmos genes de seu pai genético único, deveria ser proibida. Para além disso, o consenso se desfaz. O campo já começou a se dividir em dois partidos decididos e inflexíveis.
Um grupo, liderado por Estados Unidos e Costa Rica e composto por pelo menos outros 61 países, patrocinou uma resolução conclamando por uma convenção que baniria todas as formas de clonagem. Ou seja, que proibiria a criação de todo embrião clonado, não importa a razão.
O segundo grupo, liderado pela Bélgica e integrado por pelo menos 22 outras nações, defende uma contra-resolução que conduziria a uma convenção banindo a criação de embriões clonados para produzir outro ser humano, mas permitindo o uso de tais embriões para pesquisa médica.

Uso terapêutico
Nesse processo, conhecido como clonagem terapêutica e ainda num estágio experimental, os cientistas implantam o núcleo de uma célula adulta de doador num óvulo do qual o núcleo havia sido removido. Os óvulos se desenvolvem para o estágio de blastocistos -embriões de quatro a cinco dias-, dos quais têm esperança de cultivar tecidos para tratar doenças degenerativas humanas.
Ambas as resoluções permitiriam a clonagem de animais.
Embora as convenções da Assembléia Geral da ONU não sejam obrigatórias, elas podem ser ratificadas pelos Poderes Legislativos dos países signatários. Se aprovadas na ONU com maiorias grandes, podem emitir uma mensagem poderosa.
Os moderados em matéria de clonagem -além da Bélgica, potências como Reino Unido, China e Japão- argumentam que, na esteira do amplo apoio ao banimento da clonagem reprodutiva humana, a Assembléia Geral deveria ao menos tentar assegurar uma convenção universal sobre isso e deixar que os países aprovem individualmente legislações mais fortes.
"É mais fácil manter a posição extrema pelo banimento total de um ponto de vista puramente moral, mas não em termos de legislação e de implementação", disse um diplomata do grupo mais moderado, Os defensores de uma proibição completa, diz ele, "estão apenas tentando marcar uma posição, não estão preparados para ser racionais".
Muitos dos patrocinadores da resolução moderada já aprovaram alguma forma de proibição para a clonagem humana. Cerca de 30 nações, mas não os EUA, adotaram legislação ou diretrizes nacionais que implícita ou explicitamente proíbem a clonagem reprodutiva, segundo a Unesco.
Aqueles que apóiam o banimento moderado dizem que a proibição total impediria a continuação de pesquisas com células-tronco embrionárias. Uma coalizão de pelo menos 66 organizações científicas, incluindo a Academia Nacional de Ciências dos EUA, endossou o banimento da clonagem reprodutiva humana, mas instou a ONU e os Parlamentos nacionais a permitirem a clonagem terapêutica.
A clonagem terapêutica "tem potencial considerável de uma perspectiva científica", afirmou a coalizão num manifesto. Mas os patrocinadores da proibição total -entre os quais muitas nações em desenvolvimento- afirmam que a clonagem é antiética e imoral, em parte porque acarreta a destruição dos blastocistos.
Os Estados Unidos, num documento sobre a sua posição divulgado em agosto, afirma que a clonagem terapêutica "transformaria a vida humana nascente num recurso natural a ser garimpado e explorado, erodindo o sentido de valor e dignidade do indivíduo".
Num debate na Assembléia Geral em outubro, Birhanemeskel Abebe, representante destacado da missão da Etiópia na ONU, pediu uma banimento total, dizendo: "Todo ser humano tem valor e dignidade intrínsecos desde a concepção até a morte natural. A destruição de embriões para fins de pesquisa é um desrespeito fatal à vida humana".

Veto presidencial
Um funcionário do Departamento de Estado dos EUA explicou que a posição americana é um reflexo das opiniões firmemente mantidas pelo presidente George W. Bush. O apoio do governo Bush ao banimento completo está em contradição com o apoio da maioria dos cientistas americanos ao direito de realizar clonagem terapêutica.
Uma proibição parcial, dizem seus opositores, deixaria aberta a porta para abusos, com a emergência de um mercado paralelo de embriões oferecidos por mães empobrecidas. "Legiões de embriões humanos poderiam ser produzidas, compradas e vendidas sem que ninguém soubesse disso", disseram os EUA em seu documento.


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