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BIOÉTICA
Votação de resolução depois de amanhã pode banir técnica; países têm posições divergentes sobre uso terapêutico
ONU debate o veto à clonagem humana
KIRK SEMPLE
DO "NEW YORK TIMES"
Trace as linhas da ciência, da religião, da ética e da política, e no
final elas vão se cruzar numa das
questões mais disputadas aqui,
atualmente: clonagem humana.
"Entre as questões não-políticas, é
a mais polêmica", disse recentemente Michele Montas, porta-voz
da presidência da Assembléia Geral das Nações Unidas. "Ela sempre volta a ser debatida."
Os Estados que compõem a
ONU terão uma nova chance de
externar seus sentimentos sobre o
tema depois de amanhã, quando
examinarão duas resoluções
opostas que propõem o banimento da clonagem humana -e tentarão estabelecer limites legais internacionais para o campo das
ciências da vida.
Todos os Estados-membros
concordam que a chamada clonagem reprodutiva (veja quadro à
dir.), destinada a produzir uma
criança com os mesmos genes de
seu pai genético único, deveria ser
proibida. Para além disso, o consenso se desfaz. O campo já começou a se dividir em dois partidos
decididos e inflexíveis.
Um grupo, liderado por Estados
Unidos e Costa Rica e composto
por pelo menos outros 61 países,
patrocinou uma resolução conclamando por uma convenção
que baniria todas as formas de
clonagem. Ou seja, que proibiria a
criação de todo embrião clonado,
não importa a razão.
O segundo grupo, liderado pela
Bélgica e integrado por pelo menos 22 outras nações, defende
uma contra-resolução que conduziria a uma convenção banindo
a criação de embriões clonados
para produzir outro ser humano,
mas permitindo o uso de tais embriões para pesquisa médica.
Uso terapêutico
Nesse processo, conhecido como clonagem terapêutica e ainda
num estágio experimental, os
cientistas implantam o núcleo de
uma célula adulta de doador num
óvulo do qual o núcleo havia sido
removido. Os óvulos se desenvolvem para o estágio de blastocistos
-embriões de quatro a cinco
dias-, dos quais têm esperança
de cultivar tecidos para tratar
doenças degenerativas humanas.
Ambas as resoluções permitiriam a clonagem de animais.
Embora as convenções da Assembléia Geral da ONU não sejam obrigatórias, elas podem ser
ratificadas pelos Poderes Legislativos dos países signatários. Se
aprovadas na ONU com maiorias
grandes, podem emitir uma mensagem poderosa.
Os moderados em matéria de
clonagem -além da Bélgica, potências como Reino Unido, China
e Japão- argumentam que, na
esteira do amplo apoio ao banimento da clonagem reprodutiva
humana, a Assembléia Geral deveria ao menos tentar assegurar
uma convenção universal sobre
isso e deixar que os países aprovem individualmente legislações
mais fortes.
"É mais fácil manter a posição
extrema pelo banimento total de
um ponto de vista puramente
moral, mas não em termos de legislação e de implementação",
disse um diplomata do grupo
mais moderado, Os defensores de
uma proibição completa, diz ele,
"estão apenas tentando marcar
uma posição, não estão preparados para ser racionais".
Muitos dos patrocinadores da
resolução moderada já aprovaram alguma forma de proibição
para a clonagem humana. Cerca
de 30 nações, mas não os EUA,
adotaram legislação ou diretrizes
nacionais que implícita ou explicitamente proíbem a clonagem
reprodutiva, segundo a Unesco.
Aqueles que apóiam o banimento moderado dizem que a
proibição total impediria a continuação de pesquisas com células-tronco embrionárias. Uma coalizão de pelo menos 66 organizações científicas, incluindo a Academia Nacional de Ciências dos
EUA, endossou o banimento da
clonagem reprodutiva humana,
mas instou a ONU e os Parlamentos nacionais a permitirem a clonagem terapêutica.
A clonagem terapêutica "tem
potencial considerável de uma
perspectiva científica", afirmou a
coalizão num manifesto. Mas os
patrocinadores da proibição total
-entre os quais muitas nações
em desenvolvimento- afirmam
que a clonagem é antiética e imoral, em parte porque acarreta a
destruição dos blastocistos.
Os Estados Unidos, num documento sobre a sua posição divulgado em agosto, afirma que a clonagem terapêutica "transformaria a vida humana nascente num
recurso natural a ser garimpado e
explorado, erodindo o sentido de
valor e dignidade do indivíduo".
Num debate na Assembléia Geral em outubro, Birhanemeskel
Abebe, representante destacado
da missão da Etiópia na ONU, pediu uma banimento total, dizendo: "Todo ser humano tem valor e
dignidade intrínsecos desde a
concepção até a morte natural. A
destruição de embriões para fins
de pesquisa é um desrespeito fatal
à vida humana".
Veto presidencial
Um funcionário do Departamento de Estado dos EUA explicou que a posição americana é um
reflexo das opiniões firmemente
mantidas pelo presidente George
W. Bush. O apoio do governo
Bush ao banimento completo está
em contradição com o apoio da
maioria dos cientistas americanos
ao direito de realizar clonagem terapêutica.
Uma proibição parcial, dizem
seus opositores, deixaria aberta a
porta para abusos, com a emergência de um mercado paralelo
de embriões oferecidos por mães
empobrecidas. "Legiões de embriões humanos poderiam ser
produzidas, compradas e vendidas sem que ninguém soubesse
disso", disseram os EUA em seu
documento.
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