São Paulo, sábado, 05 de janeiro de 2008

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Arma química faz formiga adotar borboleta parasita

Substâncias na pele da lagarta imitam cheiro de larva de formiga órfã, diz grupo

Uma vez no ninho, inseto invasor devora larvas de sua hospedeira e é alimentado pelas operárias; achado indica guerra evolutiva

"Science"
Iludida, formiga carrega larva de borboleta para seu ninho


STEVE CONNOR
DO "INDEPENDENT"

Parece uma fábula de Esopo, mas a história da borboleta azul e da formiga vermelha é uma que você dificilmente contaria para seus filhos na hora de dormir. A lagarta da borboleta azul é "adotada" pela formiga vermelha, que leva a larva da borboleta para seu ninho e a trata como uma de suas próprias larvas, alimentando-a até que ela cresça o bastante para virar uma borboleta. A lagarta retribui a generosa hospitalidade comendo o máximo possível e devorando as crias da formiga como sobremesa.
Todas as cinco espécies de grandes borboletas azuis da Europa praticam essa forma de parasitismo, e agora os cientistas desvendaram o truque que lhes permite fazer isso -as lagartas se cobrem com uma substância que lhes dá o cheiro de formigas-bebês órfãs.
Os pesquisadores descobriram que as moléculas orgânicas secretadas na pele das borboletas azuis são muito parecidas com as da pele das larvas de formiga vermelha. E mais: quanto mais semelhante é esse coquetel químico, mais forte é a atração da formiga pela lagarta.
A descoberta deve ajudar os conservacionistas na tentativa de reintroduzir grandes borboletas azuis -ameaçadas- em seu habitat, ao fazê-los se assegurarem de que a química das lagartas e das formigas seja a mais parecida possível.
David Nash, da Universidade de Copenhague, liderou o estudo, publicado na edição de ontem da revista científica "Science". Ele disse que os resultados eram uma demonstração clara da "corrida armamentista" evolutiva que muitas vezes acontece entre os parasitas e seus hospedeiros.
"Os parasitas tentam o tempo todo se adaptar melhor aos seus hospedeiros, enquanto os hospedeiros sofrem pressões seletivas para evitar serem parasitados", afirmou Nash.
"Isso significa que pode haver uma corrida armamentista evolutiva em curso entre o parasita e seu hospedeiro. Houve alguns estudos anteriores com organismos microscópicos mostrando que isso pode ocorrer em laboratório, mas o que temos aqui, acho, é um dos primeiros casos em que nós temos evidências claras de que isso está acontecendo no campo."

"Eu sou uma formiga!"
Os cientistas estudaram dezenas de colônias de formigas vermelhas em uma ilha na costa da Dinamarca e, em cada ninho examinado, contaram o número de lagartas da grande borboleta azul (Maculinea alcon) que encontraram.
Essas borboletas põem seus ovos numa planta chamada genciana-dos-pântanos e suas lagartas crescem normalmente, alimentando-se de folhas. Mas, em uma certa fase do crescimento, as lagartas descem ao chão tecendo fios de seda.
"Elas deixam a planta da qual se alimentam e esperam no chão até serem encontradas pelas formigas", disse Nash.
Geralmente, na natureza, formigas comem lagartas. No caso das borboletas azuis, no entanto, as formigas que passam apanham gentilmente as larvas e, amorosamente, carregam-nas para o ninho -a questão é: por quê?
"As borboletas entram no ninho da formiga porque imitam os hidrocarbonetos de superfície, que as formigas têm em sua cria", afirmou o cientista. "Elas produzem esse sinal que diz: "Eu sou uma formiguinha". Nós conseguimos mostrar que, quanto mais próxima é a imitação, mais rápido elas são apanhadas pelas formigas."
Uma vez no ninho, diz Nash, "elas comem algumas larvas e também são alimentadas pelas formigas operárias, e têm preferência sobre as próprias larvas de formiga".
Duas espécies de formiga vermelha do gênero Myrmica são rotineiramente parasitadas pelas M. alcon. Mas os cientistas descobriram que uma delas é mais violentamente explorada que a outra.
A diferença na taxa de parasitismo ajuda as borboletas azuis a sobreviver, porque se ela dependesse de apenas uma espécie, haveria risco de sobreexplorar sua hospedeira. A segunda espécie-hospedeira serve como uma reserva em tempos de escassez de formigas, afirmou Nash.


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